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Mostrando postagens de outubro, 2019

As hienas somos nós

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Sem dúvidas, uma das melhores canções do álbum Deus é mulher , da cantora brasileira Elza Soares, é “Hienas na TV”. Conheci a música assim que a faixa foi lançada nas plataformas virtuais. Desde então, cheguei, inclusive, a valer-me dela para construir repertório sociocultural em redação do Enem. Dito isso, segue a primeira estrofe da composição: “Sim, digo sim pra quem diz não;/e pra quem quiser ouvir, eu digo não./Não, digo não porque eles vêm,/eles vêm pra devorar meu coração./Vêm, onde e quando você vê/as hienas na TV, essa visão./Vêm, se arrastando pelo chão,/gargalhando sobre nós./Eu digo não” – o ritmo faz-me recordar a capoeira, jogo de resistência. Fato é que, recentemente, enquanto eu estava a passar tempo usando o Twitter, verifiquei que um vídeo muito desrespeitoso havia sido exposto ao público por intermédio da conta oficial do presidente da república, por um curto instante – e posteriormente apagado. Por prontidão dos jornais e usuários, contudo, a mídia f

Professora Língua

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Uma série de comentários e discussões começou em meio virtual esta semana, devido a uma definição de palavra de nosso idioma. Trata-se do vocábulo “professora”, que, se digitado em um buscador de internet, tem-se como um de seus significados “prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual”. Tal acepção é ainda caracterizada como brasileirismo, isto é, própria do português do Brasil. Nesse âmbito, muitos internautas criticaram a existência do significado em forma registrada e visível. Ora, este se faz também presente no Houaiss , o dicionário superior de nossa língua – além de constar no Aurélio e no Aulete . Isto leva à constatação de que, de fato, “professora” é empregada por falantes brasileiros com esse sentido. Como o professor Pasquale gosta de recordar-nos, os dicionários são os cartórios da língua. Desse modo, não aceitar o registro de tal acepção nestes é o mesmo que negar o processo histórico-social brasileiro no qual se atribuiu um significado diferent

Globalismo e as palavras

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Estive discutindo com um amigo sobre globalismo, enquanto preparávamos um lanche da tarde. A conversa teve início após escutarmos uma paródia satírica que criticava uma personalidade da direita política. Na letra, veio o termo “globalismo” de forma rápida, de modo que, depois de termos acompanhado a música, surgiu-se uma dúvida. “O verso dizia ser contra ou a favor dos globalistas?” – perguntamo-nos. “A favor”, respondi, “pois o indivíduo satirizado é liberal”. “Acho que não”, contestou meu amigo, “Se ouvi bem, a canção deixa implícita certa rivalidade”. Reproduzimos novamente a parte em questão. Não estava claro. Mas o que seria “globalismo”? Recorremos a um dicionário. Extraio as duas principais acepções do Aulete : “Interligação mundial por meio de redes de comunicação entre os países de todos os continentes” e “Política nacional que visa o resto do mundo como espaço de influência ou dominação política, econômica e cultural; INTERNACIONALISMO; IMPERIALISMO”. Sendo ass

Assim me ensinou Vasco

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Nesta semana, estive em Uberlândia por dois dias. Passei minha estada (poderia ser estadia) na casa de meus primos Fernanda e Laura, os mesmos de uma crônica anterior. Fui sem imaginar que lá faria uma amizade nova; e, se assim começo a contar minha narrativa, pode-se pensar que ali encontrei uma pessoa de alma interessante. Sim, digo. E seu nome é Vasco. Trata-se de um uberlandense inteligente, de “cabeça brilhante” – como ele mesmo se descreveu, ao tocar com os dedos a calvície. Meu novo amigo é um idoso jovem, leitor insaciável e grande amante de boas e demoradas conversas. Em seu apartamento, guarda consigo uma gramática do ex-presidente Jânio Quadros, autor de frases como “Fi-lo porque qui-lo” e “Bebo porque é líquido; se fosse sólido, comê-lo-ia”. Também constam em sua casa ao menos duas bíblias; em uma delas, li um de seus versículos preferidos: “Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” – Evangelho de João. Vasco mostrou-me algumas cartas que escrev

Livros para eletroencefalograma

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Meu amigo comentou comigo que irá fazer um eletroencefalograma na tarde de hoje. Não sei do que se trata. Sem empecilhos, ele perguntou-me se eu conhecia algum método eficiente para dormir. Informou-me que seria preciso que estivesse entregue ao sono de forma espontânea no exame. Refleti um pouco. Recomendei-lhe ler algum livro momentos antes. “Mas contraindico Agatha Christie e Dan Brown”. Senti-me como se estivesse a prescrever alguma medicação. “Escolha uma obra que não seja muito emocionante; quanto mais enfadonha, melhor”. “Vou levar um dicionário, então” – brincou; mas, como me senti ofendido com a frase, despedi-me e fui embora. Ora, se eu levasse um Houaiss comigo para a cama, certamente teria sonhos eróticos. Mas, seguindo o passo, enquanto eu caminhava para casa, fui pensando em quais livros eu levaria a um eletroencefalograma, se nele precisasse dormir. O primeiro que me veio à mente foi uma recente obra de um pensador contemporâneo sobre redes sociais e porc

Pro-fes-so-res

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Lembro-me de quando Séfora, minha professora de português, escreveu “helicóptero” no quadro negro. Eu tinha por volta de onze anos. A aula era de separação silábica. A mestra grafou, em seguida: “He-li-có-p-te-ro”. Entretanto, não aparentou convencida de que o que havia registrado com o giz estaria correto. Hoje, imagino que, possivelmente, a confusão tenha se originado com a lembrança da professora de que, em nossa língua, o acento não recai antes da antepenúltima sílaba. Valendo-me de um neologismo, quero dizer que não há “proproparoxítonas”. Não obstante, na hora, o que me veio à mente foi uma frase do livro didático: “No português, toda sílaba tem, no mínimo, uma vogal”. Nesse raciocínio, coube a mim discordar de Séfora: “Mas não existem sílabas sem vogais!”. “Quem disse isso?” – perguntou-me a professora. “Está no livro”, respondi, “Acho que o certo é ‘he-li-có-pte-ro’”. Após consultarmos um dicionário, verificamos que, na verdade, nenhum de nós estava completamente cor

Quando dinheiro é infeliz

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Eu era pequeno. Estava na Feira dos Importados, em Brasília, mais conhecida como Feira do Paraguai. Meus tios Romildo e Cleuza trabalhavam – ainda trabalham – lá, a vender objetos para casa. Um abajur chamou-me a atenção: quando meu dedo tocava-o uma vez, acendia-se uma lâmpada de luz tênue; se eu repetia o ato, a luz intensificava e, se eu o fizesse novamente, o abajur acendia-se por completo. Mais um toque e tudo se apagava. É claro que eu não poderia conter meu fascínio por esse objeto que, além de trazer consigo toda a modernidade do mundo, também era esteticamente bonito. Meus pais perguntaram-me se eu gostaria de levá-lo a Minas Gerais. Prontamente, respondi que sim. E meu tio entregou-me o fino abajur guardado em uma caixa de papelão. Conversa vai e conversa vem, Romildo interrogou-me: “Quer um ‘dindim’?”. Eu fitei minha mãe, como se lhe perguntasse com os olhos: “Tenho permissão para aceitar?”. Não obstante, para minha surpresa, minha genitora pareceu não ter percebi

Escrever, ato de alegria

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Ouço muitas pessoas dizerem que gostam de escrever quando se encontram tristes. Algumas já me disseram, inclusive, que sentem mais facilidade em expressar suas ideias em meio a lágrimas. Acerca disso, apenas deixo minha admiração, pois é algo que, a mim, é muito custoso (escrever em momentos difíceis). Ora, a escrita, para mim, é prazer. E, assim como perco a vontade de fazer coisas de que gosto quando estou a remoer alguma amargura, transforma-se, também nesses instantes, de saborosa a insossa a produção de textos. A escrita, em minha vida, ocupa lugar de destaque, logo abaixo da leitura. E acrescento que esta, também, não me chama a atenção em circunstâncias de tristeza. Todavia, algo que amo fazer, em episódios felizes e infelizes, é escutar música. É claro que as canções, os compositores e os cantores costumam diferir de um momento a outro; contudo, a música é-me uma “companheira de todas as horas”. E isso me faz refletir um pouco. Um dia desses, estive meio depr

Falhas de comunicação

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Na tarde de anteontem, fui marcado por três momentos corriqueiros em que a comunicação não se mostrou eficaz. E, como gosto de escrever sobre a linguagem, relatarei, nos parágrafos seguintes, os episódios ocorridos nesse dia trivial. O primeiro deles ocorreu dez minutos depois de eu ter descido de um ônibus, o qual teve como ponto de partida a minha escola. Mas, antes de descrever os segundos seguintes, devo comentar que anteontem eu me esqueci de levar o carregador de meu celular comigo ao sair de casa, de modo que, a essa hora, meu aparelho já se encontrava com sua bateria completamente descarregada. Ora, saí do ônibus com o intuito de consultar-me com uma médica. Todavia, como os ponteiros da catedral mostravam-me que muito tempo separava o “presente” passado e o horário do atendimento clínico, resolvi, pois, lanchar na Fábrica, uma espécie de padaria refinada no meio do caminho ao consultório. Eu ia não queixar-me à médica uma doença, senão solicitar-lhe o preenchime