Falhas de comunicação



Na tarde de anteontem, fui marcado por três momentos corriqueiros em que a comunicação não se mostrou eficaz. E, como gosto de escrever sobre a linguagem, relatarei, nos parágrafos seguintes, os episódios ocorridos nesse dia trivial.

O primeiro deles ocorreu dez minutos depois de eu ter descido de um ônibus, o qual teve como ponto de partida a minha escola. Mas, antes de descrever os segundos seguintes, devo comentar que anteontem eu me esqueci de levar o carregador de meu celular comigo ao sair de casa, de modo que, a essa hora, meu aparelho já se encontrava com sua bateria completamente descarregada.

Ora, saí do ônibus com o intuito de consultar-me com uma médica. Todavia, como os ponteiros da catedral mostravam-me que muito tempo separava o “presente” passado e o horário do atendimento clínico, resolvi, pois, lanchar na Fábrica, uma espécie de padaria refinada no meio do caminho ao consultório.

Eu ia não queixar-me à médica uma doença, senão solicitar-lhe o preenchimento de um formulário de saúde para um intercâmbio que farei em dezembro. O único problema é que o formulário era todo em inglês. Pensando que provavelmente a clínica geral não teria muito domínio do vocabulário americano, era meu plano completar o papel com todas as informações que eu poderia escrever, de forma a somente pedir para a profissional conferir e assinar.

Desse modo, eu havia reservado em minha mente o ócio na Fábrica para o devido remate da tabela de vacinas do formulário. Contudo, como meu celular me abandonara, olhei para palavras como “measles” e “mumps”, no bendito papel, e siglas como “TV” e “DT”, em meu cartão de vacinação, e ri-me.

Esse foi o primeiro problema de comunicação que passei na tarde de anteontem. Como o resolvi, minha advogada Consciência aconselha-me a não divulgar.

Chegando à clínica com certa antecedência, sentei-me e dei início ao que viria ser uma longa espera. A consulta estava agendada para 17h30; entretanto, só fui atendido por volta de 18h15. Entrando na sala da médica, deparei-me com uma jovem loira, trajando roupas brancas. Pensei: “easy”.

A profissional olhou o formulário, olhou o cartão de vacinas. Olhou o formulário, olhou o cartão de vacinas... “Parece que está tudo ok”, disse. “Assine aqui”, falei, indicando com meu dedo um pequeno retângulo em branco. “E carimbe aqui e coloque seu endereço de e-mail aqui”.

E essa foi a segunda intempérie de comunicação do dia, com a qual felizmente não sofri, senão tive certo sucesso.

Saindo do consultório com grande atraso, fui ao ponto de ônibus mais próximo. E, como é de conhecimento de todos os usuários de transporte público, sempre que se espera um coletivo por mais de dez minutos, algo incomum acontece.

Duas adolescentes sentaram-se ao meu lado, sobre o banco de concreto, e começaram a conversar. Inferi que eram colegas de sala, e que estavam a cursar o ensino médio em alguma escola pública da cidade. Como falavam em volume muito intenso, minhas tentativas de não prestar atenção nos assuntos fracassavam.

Ora as jovens recordavam-me Dercy Gonçalves, ora faziam-me achar que o texto “Guia para Adultos: Entendo a Música Pop em 2017”, de Chico Barney, já se encontrava absolutamente desatualizado. Simplesmente tive a conclusão de que, se eu precisasse me comunicar alguma vez com qualquer uma das moças, certamente eu não obteria sucesso.

E esse foi o terceiro episódio de desentendimento comunicativo. Empatei de 1 a 1 com o inglês e perdi de 1 a 0 para o dialeto não oficial do português. Mais um dia de derrota em minha vida.

Observação: ao entrar em casa e esvaziar minha mochila, encontrei, nela, o carregador de meu celular, que lá esteve o tempo inteiro.

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