Brejo Bonito está em dois municípios

Mapa de localização de Brejo Bonito.


É provável que você não saiba, mesmo que lá more, mas Brejo Bonito está, na verdade, em dois municípios. Sim: a vila, que pertence a Cruzeiro da Fortaleza, expandiu-se e, atualmente, cerca de metade de sua área urbanizada está em Patos de Minas. As prefeituras de ambos os municípios estão cientes disso: inclusive, os gestores municipais de lá e de cá concordam em transferir uma pequena parcela do território patense para Cruzeiro da Fortaleza. Por que, então, nossos governantes nunca nos contaram isso e estão fazendo tudo às escondidas? Revelo essa história em meu trabalho de conclusão de curso, intitulado Uma vila, dois municípios? O conflito político-jurídico-territorial de Brejo Bonito, disponível no Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp (você pode acessá-lo clicando aqui).


“Resumo da ópera”


No momento da criação de Cruzeiro da Fortaleza como município — e de Brejo Bonito como seu distrito —, em 1962, a área urbanizada de Brejo Bonito estava inteiramente localizada em território cruzeirense. Contudo, os limites definidos para o novo município na época situaram a localidade em área limítrofe, de modo que, já naquela década, era possível notar vias e edificações contíguas à vila em território patense, sem que os poderes públicos desses municípios contivessem ou gerissem esse processo. Com efeito, essa expansão urbana se deu sem o devido controle ou regulação pelos poderes públicos, permitindo uma sobreposição de usos do território conflitante com as normas legais vigentes. Dessa forma, foi e é exigido, na totalidade da área urbanizada de Brejo Bonito, o cumprimento de leis cruzeirenses, mesmo na parte patense da localidade, a qual ainda a administração de Cruzeiro da Fortaleza efetivamente governa.


Essa situação, que até 1974, embora tivesse claros impactos políticos e territoriais, pouco se refletia na instância jurídica, agravou-se naquele ano, com a promulgação da Lei n.º 123 de Cruzeiro da Fortaleza. Essa lei definiu o perímetro urbano de Brejo Bonito de modo inconstitucional, ao incluir porções dos territórios municipais de Patos de Minas e Serra do Salitre. Assim, esse ato legislativo não apenas formalizou um processo de ocupação irregular, mas também gerou um impasse jurídico que persiste até o presente. Enquanto o município de Cruzeiro da Fortaleza mantém a administração sobre áreas que ultrapassam seus limites legais, Patos de Minas não exerce controle efetivo sobre a parte de seu território que foi ocupada pela expansão urbana de Brejo Bonito. A referida lei continua vigente, de forma que há, atualmente, um conflito de ordem política, jurídica e territorial decorrente da governação indevida do município de Cruzeiro da Fortaleza em territórios externos, chamado, em meu TCC, de conflito político-jurídico-territorial de Brejo Bonito. 


Embora esteja no centro das discussões sobre o conflito o limite intermunicipal que secciona a área urbanizada, este, porém, não pode ser considerado a sua causa, como mostro na pesquisa, já que se o crescimento urbano houvesse se desenvolvido para além da fronteira, mas preservando a autonomia de cada município, o conflito não existiria. Quanto a isso, no trabalho, fiz um histórico da situação administrativa e do limite de Brejo Bonito, que revelou que a forma atual da fronteira antecede a constituição de Brejo Bonito como distrito e a de Cruzeiro da Fortaleza como município; na verdade, ela existe desde 1938, tendo separado, por anos, os municípios de Patrocínio e Patos.


Quanto à administração do conflito, o estudo mostrou, por meio de documentos obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação, que os governantes de Cruzeiro da Fortaleza foram informados da situação pelo IBGE em 24/9/2019, e buscaram, junto à Fundação João Pinheiro (FJP), a resolução do problema, demandando que ela corrigisse os limites. A fundação explicou que não tem a capacidade de alterar fronteiras municipais, e deu ciência do conflito também aos gestores de Patos de Minas e divulgou-o para todo o público, via informativo disponibilizado na internet. Posteriormente, em 2022, representantes de ambos os municípios reuniram-se com membros da FJP em Brejo Bonito. Nesse encontro, ficou patente o interesse de todos os gestores municipais envolvidos pela alteração do limite intermunicipal, de modo que toda a área urbanizada fosse legalmente considerada cruzeirense.


Essa proposta não foi levada adiante, já que tal medida seria inconstitucional, haja vista a não edição da lei complementar federal de que trata o § 4.º do art. 18 da Constituição Federal, necessária para a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios no Brasil. Possibilidades de soluções parciais foram levantadas, mas, até o momento, nenhuma delas foi adotada. O conflito segue, assim, sem resolução, com repercussões significativas na vida cotidiana dos moradores de Brejo Bonito, afetando-os em questões eleitorais, na prestação de serviços públicos e na arrecadação tributária. Não obstante, a decisão de solucioná-lo também traria grandes repercussões, de modo que, sem ouvir a população, não é possível dizer qual decisão é socialmente a mais desejada.


A falta de um entendimento claro sobre o problema, que só foi investigado academicamente agora, em meu TCC, e que nunca foi realmente informado à população local — que permanece, em grande parte, sem saber que se encontra em dois municípios —, tem limitado a busca por debates e soluções. Nesse sentido, busquei, com a monografia, contribuir para o caso trazendo informações importantes sobre o conflito. Espero que o que foi nela produzido possa ser útil para as autoridades dos municípios envolvidos, para aqueles que realizarão novos estudos sobre Brejo Bonito e, sobretudo, para a população da localidade. Que os moradores sejam informados e ouvidos, e que seus interesses sejam respeitados por seus representantes.


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