O livro de mármore
Pouco após a publicação de O livro de areia pela Companhia das Letras, talvez em 2010, talvez em 2011, eu o li. Eu não estava nem na metade de “O outro”, o primeiro dos contos, quando fui inundado por um profundo assombro. Tive a sensação de estar correndo um grave risco se continuasse com a leitura, que era o de, aos vinte e poucos anos, ter lido o melhor livro de todos os que eu já havia lido e de todos os que eu ainda haveria de ler. A biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem, que o tinha recém-adquirido, contava com a obra completa de Borges, bem como com a obra completa de tantos outros escritores, e com a incompleta de um número ainda maior deles.
Terminei a leitura de “O outro” e devolvi o livro à estante. Não tive coragem de continuar. Desde então li os demais livros de Borges — de fato, todos os que eu ainda não havia lido menos O livro de areia (e todos eles ótimos, menos os de poemas; para mim, a contribuição do grande mestre à poesia é nula) —, li alguns trabalhos dos russos, dramaturgia inglesa, poesia alemã etc. Dos brasileiros, não canso de reler Adélia Prado, li Carlos Drummond de Andrade até enjoar e ainda estou em dívida com Jorge Amado, do qual, até hoje, só li um livro, acho que Mar morto, do qual não me recordo nada. Com estes anos, penso que haja livros bons e ruins em todas as línguas e em todos os países; esta inferência, porém, é precária e, talvez, contingencial.
É possível que “O outro” seja o único conto bom da obra, do que duvido muito, mas já não sei o que eu preferiria. Pela internet posso comprá-la com poucos cliques, o que, na verdade, atesta o fim de uma antiquíssima cerimônia. É bem possível, se não provável, que eu já tenha lido trabalhos melhores que O livro de areia. Por um lado, a crença apriorística de que este será o melhor que um dia lerei (oxalá quando já bem velho) soa escatológica. Por outro, a crença apriorística dos cristãos de que o céu será o melhor gozo que um dia terão — que é talvez a própria definição de escatologia — não os impede de perseguir a felicidade possível entretanto.
A biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem, não a frequento desde 2014, mas a consulta on-line ao seu acervo informa que O livro de areia se encontra, desde o início deste mês, emprestado. Como a leitura de “O outro” não demanda mais que uns poucos minutos, presumo que alguém foi mais corajoso do que eu. Não obstante, ainda que eu interrogue ao leitor sobre as suas impressões, de nada elas me valerão. Para saber a minha verdade, é preciso que eu mesmo leia. Todo mundo quer ir para o céu, mas ninguém quer morrer — é o que dizia a minha avó naquela época, um ditado já quase em desuso, por evidências em contrário.
edieneaparecida76@gmail.com se algum dia você comprar esse livro,me empresta pra eu ler por favor, fiquei curiosa agora rsrs...
ResponderExcluirObrigado pelo comentário, tia Ediene! À parte a ficção da crônica, estou lendo o livro, e é mesmo muito bom. Mas não o comprei; como o narrador do texto, peguei-o emprestado na biblioteca rs. De qualquer forma, pode deixar: se um dia eu o comprar, eu o empresto à senhora, sim! :)
ExcluirE, por ora, tenho outras obras de contos do Borges: "O informe de Brodie", "Ficções" e "O aleph"; são todas excelentes, e posso emprestá-las, se quiser.