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Mostrando postagens de maio, 2020

O que ainda me resta ser

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Sinto que estou perdendo minha voz. Não que eu esteja ficando rouco, ou mudo. Nada disso. Mas tenho falado menos, e com menos gente. Tenho, também, escrito menos literatura. No geral, tenho escrito mais, é verdade, mas o que escrevo é a linguagem pobre de um chat , de um WhatsApp . E isso não é arte, nem é minha voz, nem sou eu. No álbum É melhor ser , de Simone, a Cigarra canta uma faixa inspirada em um bilhete de Fernanda Montenegro: “Uma pessoa é o que a sua voz é”. Sinto que talvez, ao perder aos poucos minha voz, eu esteja a me perder. Já estou me esquecendo de minha risada de antes, de minha entonação de antes, de meus cumprimentos de antes. O eu lírico de Cecília Meireles pergunta-se em que espelho está perdida sua face; eu pergunto-me em que áudio está perdida minha voz. A essência é quase a mesma, mas a voz representa o ser falante mais do que seu próprio semblante. Ao menos, ainda não me esqueci do que é escrever literatura, se é que um dia já o soube. Escrever um poema, uma

Catolicismo ou bolsonarismo

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Não tenho a propriedade de dizer que católicos verdadeiros não possam ser apoiadores de Jair Bolsonaro em tempos de novo coronavírus, mas tenho o direito de elencar os cinco pontos seguintes: 1. Na nota “Em defesa do SUS, da ciência e da vida!”, de 25 de março, a Juventude Franciscana (JUFRA) do Brasil manifestou repúdio ao pronunciamento de Bolsonaro no dia anterior sobre a pandemia. Diz parte do texto: “discursos como este, matam. Enquanto o mundo se une para tentar encontrar maneiras de superar a pandemia, o Presidente do Brasil incentiva sua transmissão a partir deste discurso, colocando em risco toda a população brasileira”. 2. No documento “Pacto pela Vida e pelo Brasil”, subscrito pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no mês passado, é defendido: “o isolamento se impõe como único meio de desacelerar a transmissão do vírus e seu contágio”. Vale recordar que, em 2018, Bolsonaro chamou os bispos de “a parte podre da Igreja Católica”. 3. Na nota “Po

O calvário do “messias”

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Em El Salvador, a pandemia do novo coronavírus está a revelar a face autoritária do jovem presidente Nayib Bukele. Após uma onda de assassinatos que deixou 23 mortos em apenas um dia, o governante concedeu carta branca ao Exército, confinou detentos de gangues rivais na mesma cela e impediu que a luz entrasse nas prisões – com respaldo do povo: Bukele tem cerca de 90% de aprovação popular. Muitas semelhanças têm entre si os governos brasileiro e salvadorenho. Contudo, há uma diferença crucial no caso sul-americano: aqui, a pandemia tem feito o presidente perder poder. Nosso “profeta” – segundo André Mendonça, o novo ministro da Justiça – e “messias que não faz milagre” – segundo o próprio Bolsonaro – está assistindo a sua coalizão desmoronar. Falsos profetas, quando surgem, costumam ser bem recebidos em suas pátrias – mas, como Bolsonaro bem lembra, no fim, a verdade impera. E está-se começando a verificar o calvário do “messias de arma na mão”, como canta Mangueira. Já s