O que ainda me resta ser


Sinto que estou perdendo minha voz. Não que eu esteja ficando rouco, ou mudo. Nada disso. Mas tenho falado menos, e com menos gente. Tenho, também, escrito menos literatura. No geral, tenho escrito mais, é verdade, mas o que escrevo é a linguagem pobre de um chat, de um WhatsApp. E isso não é arte, nem é minha voz, nem sou eu.

No álbum É melhor ser, de Simone, a Cigarra canta uma faixa inspirada em um bilhete de Fernanda Montenegro: “Uma pessoa é o que a sua voz é”. Sinto que talvez, ao perder aos poucos minha voz, eu esteja a me perder.

Já estou me esquecendo de minha risada de antes, de minha entonação de antes, de meus cumprimentos de antes. O eu lírico de Cecília Meireles pergunta-se em que espelho está perdida sua face; eu pergunto-me em que áudio está perdida minha voz. A essência é quase a mesma, mas a voz representa o ser falante mais do que seu próprio semblante.

Ao menos, ainda não me esqueci do que é escrever literatura, se é que um dia já o soube. Escrever um poema, uma crônica, é a forma sublime de usar minha voz. No silêncio de uma noite, vou digitando, digitando... E encontro-me de novo em mim, a gritar e a cantar o que ainda me resta ser.


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