Assim me ensinou Vasco



Nesta semana, estive em Uberlândia por dois dias. Passei minha estada (poderia ser estadia) na casa de meus primos Fernanda e Laura, os mesmos de uma crônica anterior. Fui sem imaginar que lá faria uma amizade nova; e, se assim começo a contar minha narrativa, pode-se pensar que ali encontrei uma pessoa de alma interessante.

Sim, digo. E seu nome é Vasco. Trata-se de um uberlandense inteligente, de “cabeça brilhante” – como ele mesmo se descreveu, ao tocar com os dedos a calvície. Meu novo amigo é um idoso jovem, leitor insaciável e grande amante de boas e demoradas conversas.

Em seu apartamento, guarda consigo uma gramática do ex-presidente Jânio Quadros, autor de frases como “Fi-lo porque qui-lo” e “Bebo porque é líquido; se fosse sólido, comê-lo-ia”. Também constam em sua casa ao menos duas bíblias; em uma delas, li um de seus versículos preferidos: “Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que eu vos mando” – Evangelho de João.

Vasco mostrou-me algumas cartas que escrevera: duas de muitos anos atrás e uma bem recente. Identifiquei que sua escrita recorda-me a parnasiana, sendo poética em linhas de prosa. Reconheci alguns erros gramaticais, mas ínfimos, se comparados à perfeição de seus textos. “Mas não costumo ter correspondência” – comentou, referindo-se à reciprocidade inexistente.

Ainda em relação ao meu novo amigo, percebi que se trata de um grande apreciador de novelas, sejam estas desenroladas em tramas literárias ou televisivas. Ademais, meu primo contou-me que Vasco, seu vizinho, acompanha diariamente os episódios de “A dona do pedaço”. “Ver novela é como ler livro, não se pode perder um capítulo sequer” – disse-me o senhor.

Todavia, nas noites de quintas-feiras, o ávido amante de livros tem um compromisso: passar de orações gramaticais a religiosas no centro espírita que frequenta. E a telenovela? A solução achada foi ir à casa de Fernando no dia seguinte, a fim de assistir ao episódio perdido. Sem conhecimentos de internet e das novas tecnologias, o idoso tem, em meu primo de menor idade, alguém que possa lhe oportunizar o acesso à história de Walcyr Carrasco em horário tardio.

No pouco tempo de contato que tive com Vasco, aprendi muitos significados. Além de definições de palavras como “descomer”, tive conhecimento de que “o amor de amigo é superior ao amor de mãe” – quem me afirmou foi alguém mais experiente que eu. “Mães escondem coisas dos filhos, e vice-versa. Amigos verdadeiros compartilham os seus segredos”.  

Vasco não existe.

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