Professora Língua



Uma série de comentários e discussões começou em meio virtual esta semana, devido a uma definição de palavra de nosso idioma. Trata-se do vocábulo “professora”, que, se digitado em um buscador de internet, tem-se como um de seus significados “prostituta com quem adolescentes se iniciam na vida sexual”. Tal acepção é ainda caracterizada como brasileirismo, isto é, própria do português do Brasil.

Nesse âmbito, muitos internautas criticaram a existência do significado em forma registrada e visível. Ora, este se faz também presente no Houaiss, o dicionário superior de nossa língua – além de constar no Aurélio e no Aulete. Isto leva à constatação de que, de fato, “professora” é empregada por falantes brasileiros com esse sentido.

Como o professor Pasquale gosta de recordar-nos, os dicionários são os cartórios da língua. Desse modo, não aceitar o registro de tal acepção nestes é o mesmo que negar o processo histórico-social brasileiro no qual se atribuiu um significado diferente a um signo linguístico por parte de interpretantes de nossa sociedade, ainda que esse revele um preconceito arraigado em nosso país.

O que quero dizer é: uma definição nova a uma palavra tem a potencialidade de evidenciar as características da comunidade interpretativa em que essa se encontra inserida, apoiando-me em estudos de linguistas como Kress e van Leeuwen. Assim, objetivar a ofuscação do sentido desrespeitoso de “professora” faz-me lembrar de afirmações tolas como “não existe racismo no Brasil” e “este país sempre reverenciou os direitos das mulheres”, as quais tentam encobrir os fatos sombrios de nossa sociedade.

Gosto de um pensamento que o filósofo Luiz Felipe Pondé comumente repete: “desconfie de quem se diz sem preconceitos”. Certa vez, enquanto eu estava a participar como ouvinte do Festival Literário de Araxá de 2018, escutei o sociólogo Sérgio Abranches dizer que foi criado em um ambiente preconceituoso, e que isso permanece, de certa forma, em seu íntimo. O cientista político confessou ainda que sempre se policia, a fim de conter os ímpetos racistas que, de vez em quando, surgem em sua mente por um condicionamento familiar.

Os discursos dos autores mencionados são-me de sublime sensatez. Assim é nossa professora Língua: duramente marcada por históricos de desrespeitos e de jocosidades estúpidas. E os dicionários estão aí para que nós, alunos de tão bonita mestra, possamos sempre nos lembrar do passado e do presente de nosso idioma materno.

Assim sendo, termino com um excerto da canção “Na pele”, perfeitamente interpretada pelas cantoras Elza Soares e Pitty: “Se essas são marcas externas, imagine as de dentro”.

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