Brincando com a comida


Percebo-me brincando com a comida: uma rara constatação. Engraçado — penso comigo — brincar com a comida se faz quando se está entediado. De que eu me lembro, é a única brincadeira que se faz quando tudo está chato e, ao mesmo tempo, quando não se deseja a diversão. Mães não gostam de ver seus filhos brincando com a comida. Morasse eu ainda com meus pais, fosse eu ainda um menino, do outro lado da mesa minha mãe estaria me olhando agora, com tristeza ou preocupação, ao notar que estou a cutucar o macarrão de lá e de cá com o garfo.

“O que foi?” — ela me perguntaria. E eu nada diria, e apenas continuaria a mexer a comida. Neste momento exato, como nenhuma cartomante é capaz, mamãe saberia de tudo o que se passa em minha cabeça, em meu estômago, em minha vida. Saberia como foi o dia, como foi a semana, o mês. Diria, talvez, que eu não preciso comer toda a comida, se eu estiver sem fome. Ou, para me tirar alguma palavra, perguntaria se a comida está ruim. Eu, então, responderia prontamente: “Não, está ótima! Só estou meio sem fome”.

Em seguida, eu me levantaria e daria o resto de comida para os gatos ou os cachorros comerem. Ora, que interessante — penso comigo — os animais também brincam com o que comem, e o fazem quando estão felizes. Gatos gostam de brincar com ratos antes de devorá-los. Cachorros gostam de brincar com ossos na companhia de seus donos. Por que só nós, seres humanos, é que brincamos com a refeição em meio à tristeza e ao desânimo?

Talvez, porque só nós sabemos que precisamos nos alimentar, mesmo quando não sentimos fome. Porque não é somente a fome que nos diz quando devemos comer, mas também a consciência. E nossa mente e nosso estômago, não raro, desalinham-se. Assim, cutucar o macarrão aqui e ali talvez seja, em última análise, uma tentativa inconsciente e inapetente de alinhavar-se.

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