A busca por uma identidade


Começou no dia oito de dezembro do ano passado — uma quarta-feira — minha fastidiosa luta para tirar a segunda via da minha carteira de identidade. Ainda tenho a primeira via do documento, mas ela já é antiga — foi feita há mais de 7 anos —, e vinha, recentemente, gerando desconfiança em situações em que aquela pessoa da foto 3×4 (meu eu do passado) deveria corresponder à minha fisionomia do presente. Minha sorte é que também conto com uma carteira de trabalho e um passaporte, nos quais estou muito mais reconhecível. Contudo, a pouca praticidade de portar estes documentos, que se traduz em seus tamanhos volumosos, levou-me a buscar a segunda via do meu RG.

 

No final de novembro, pesquisando na internet , descobri, para minha surpresa, que cada estado brasileiro conta com um modelo diferente de carteira de identidade. Essa complicação conferiu certo sentido de urgência à minha necessidade, já que eu planejava me mudar para Campinas, no estado de São Paulo, em março deste ano — o que se concretizou na semana passada. Em outras palavras, como eu morava em Minas Gerais, percebi que eu deveria atualizar meu documento antes da mudança de endereço, para evitar, assim, ter dois registros.

 

Portanto, agendei, o quanto antes, um atendimento na UAI (Unidade de Atendimento Integrado) de Patos de Minas. Chegando lá no horário marcado, em oito de dezembro (gostaria de enfatizar: uma quarta-feira), fui informado que o governo estadual estava coletando as digitais de todos os mineiros para inserir em um banco de dados, e que aqueles cujas digitais ainda não estivessem nesse sistema teriam, antes de dar início ao processo de feitura de um novo RG, que as encaminhar para Belo Horizonte e aguardar cerca de um mês. Obrigado a me conformar com esse procedimento burocrático, deixei as marcas dos meus dedos na UAI, ainda com esperanças de que eu conseguiria ter minha identidade em mãos antes de me mudar para Campinas.

 

Naquele dia, foi-me entregue um papel em que constava a data do meu atendimento e um telefone para contato. Fui orientado a ligar para o número decorridos trinta dias, a fim de verificar se minhas digitais já se encontravam no banco de dados. Caso ainda não estivessem nele, eu deveria esperar mais um tempo e entrar em contato novamente. Caso já estivessem, eu deveria agendar novo atendimento e comparecer mais uma vez à UAI para dar continuidade ao processo.

 

Passado um mês do ocorrido, tentei, algumas vezes, ligar para o número constante no papel que recebi. Foram necessárias várias ligações, em dias diferentes, até que eu fosse atendido. A mulher que me atendeu, do outro lado da linha, não demorou em me perguntar que dia compareci à UAI, pois essa informação era necessária para que ela pudesse verificar se minhas digitais já se encontravam no tal sistema. Conferindo o papel em mão, afirmei: “Oito de dezembro”. Ao que me foi respondido: “Dia oito? De dezembro? Do ano passado? Não pode ser. Deu num sábado. Verifique novamente, por favor”. Sem demora, abri, então, minha conta de e-mail, procurando pela confirmação eletrônica de agendamento do atendimento na UAI. Constava a data: 08/12/2021. E, consultando um calendário, concluí que eu não poderia estar enganado, pois a data não se deu em um sábado, mas em uma quarta-feira.

 

Falei: “Foi no dia 08/12, acabo de conferir em meu e-mail. E foi uma quarta-feira, não um sábado!”. Ao que escutei: “Não, senhor. Dia oito de dezembro foi sábado”. Impaciente, respondi: “Não, senhora. Olhe no calendário. Dia 08/12/2021: quarta-feira!” Ela não se convenceu. Mas disse: “Bom, vou tentar acessar o sistema sem a data. Qual é o número do seu RG?” Dando a informação solicitada, fui informado pela funcionária que minhas digitais não estavam, ainda, no bendito sistema. Agradeci e saí da chamada. Consultando novamente o calendário, de cara percebi que a funcionária estava procurando pelo dia oito no mês de janeiro deste ano, em vez de em dezembro do ano passado...

 

Passadas duas semanas desde o episódio, tentei, mais uma vez, contatar a UAI, com o mesmo propósito. Desta vez, porém, não obtive êxito em minhas — aproximadamente — trinta ligações, em dias e horários diferentes. O número sequer chamava. Vi-me obrigado, portanto, a agendar novo atendimento na UAI e comparecer presencialmente para ficar a par da minha situação.

 

Alguns dias depois, já em fevereiro de 2022, fui à unidade. Quando cheguei lá, porém, notei que minhas fotos 3×4 não estavam comigo — eu, provavelmente, deixei-as cair no caminho. Felizmente, a recepcionista me disse que eu poderia fazer novas impressões em uma loja nas proximidades, que ainda daria tempo de eu ser atendido. Tive de pagar novamente por um serviço que busquei poucos dias atrás, mas, por outro lado, fiquei mais “bonito” nestas segundas fotos (ao menos para mim), mesmo que esta não fosse a minha intenção. Isso se deu porque eu vestia, agora, uma bela camiseta vermelha — e não uma monótona roupa preta, como da primeira vez —, e meu rosto estava levemente suado devido à correria por tentar chegar à UAI ainda a tempo de ser atendido. Confesso: fiquei mais “sexy” nas segundas fotos.

 

Voltando à unidade, aguardei um pouco e fui chamado. Conferindo no sistema, uma funcionária me informou que, infelizmente, minhas digitais ainda não estavam no banco de dados, e que eu deveria retornar em outra data. “Você deveria ter ligado aqui, não precisava ter vindo”. “Mas eu liguei, e um monte de vezes...”, respondi, “... e não consegui falar com vocês!”. “Ah, é que esse telefone vive ocupado, muita gente liga aqui... Mas, então, faça assim: daqui a alguns dias, passe ali na recepção, que a moça pode olhar para você sem precisar fazer agendamento. Se suas digitais estiverem no sistema, aí, sim, você agenda. Se não estiverem, você passa ali outro dia”. Essa foi a solução oferecida a mim.


Cansado dessa saga burocrática, que já durava dois meses, voltei para casa. Mas passei os dias seguintes na fazenda, o que me impedia de ir à recepção da UAI perguntar sobre o estado das minhas digitais. Passadas cerca de três semanas, pensei, ingenuamente, que eu poderia realizar um novo agendamento, porque, imaginava eu, não era possível que depois de dois meses e meio eu não conseguiria dar continuidade à minha solicitação da segunda via do meu RG. Qual não foi a minha surpresa, porém, ao tentar fazê-lo! No aplicativo em que se faz tal agendamento, apareceu-me uma mensagem dizendo que não compareci ao meu agendamento anterior — o que não é verdade —, e que, como penalidade, eu só poderia fazer um novo a partir do dia sete de março!

 

Achei-me, então, derrotado pelo aparato burocrático de Minas Gerais, que não difere muito do aparato burocrático nacional, os quais tentam, a todo custo, dificultar a vida do cidadão. Enquanto neste país há pessoas livres, que sentem gozo em coisas prazerosas, como tomar sorvete ou fazer amor, há tipos de gente que se alegram, que se comprazem, que se deliciam criando procedimentos inúteis destinados a tão somente aborrecer a vida das pessoas livres.

 

Mudei-me para Campinas no dia oito, exatamente três meses depois do início da minha busca, sem conseguir qualquer segunda via de RG. Ao menos, minha derrota foi suavizada por uma medida aprovada recentemente, em âmbito nacional, de novo modelo padronizado de carteira de identidade, cujo número será o CPF do indivíduo, acabando, assim, com o caos de registros próprios de cada estado. No entanto, as instituições de identificação têm até o dia três de março do ano que vem para se adequarem à mudança, o que pode me fazer continuar a esperar por mais um bom tempo.

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