O amor não é criativo

 



Conversando sobre cinema, uma amiga contou-me que gosta muito de assistir a filmes românticos “clichês”. Aqueles em que, por exemplo, o homem é superinsistente com uma mulher que não lhe dá muita bola, em que pessoas se apaixonam perdidamente logo após se encontrarem pela primeira vez ou em que a noiva foge do altar no último momento para viver com seu “verdadeiro amor”. Não vejo problema em clichês. Ainda mais se tratando de amor, que já é, em si, um lugar-comum.

 

Pedi a minha amiga que citasse um filme romântico cuja trama fosse, em alguma medida, “original”, isto é, que desviasse das repetições associadas a relacionamentos entre dois enamorados. Ela mencionou o italiano Il postino (O carteiro e o poeta, como ficou conhecido no Brasil), um dos meus longas-metragens preferidos. De fato, à primeira vista, parece haver pouco ou nenhum clichê cinematográfico na história de amor entre os personagens Mario Ruoppolo e Beatrice Russo. Mas o filme, ele próprio, é um grande simulacro, por explorar ficcionalmente o exílio de Pablo Neruda na Itália. Como uma imitação artística da vida real, consequentemente, são encontradas as ações típicas de um casal apaixonado, como escrever cartas de amor. E Fernando Pessoa já não nos disse que isso é ato ridículo?

 

Com efeito, os clichês dos filmes românticos se devem, em primeiro lugar, às tipicidades dos relacionamentos reais que nos rodeiam. É incomum uma história real de amor que seja de algum modo diferente do que se vê em toda esquina. O amor, tal como praticado hoje, não é criativo. E a tendência, imagino eu, é tornar-se cada vez menos criativo.

 

Basta buscar na internet algo como “melhores cantadas” e florescerão sites que oferecem 10, 50 ou 100 combinações de palavras aparentemente infalíveis para conquistar alguém. Algumas são engraçadas, algumas são excitantes. A chave para que uma funcione é ser... “criativa”. Mas a criatividade da cantada pertence não a quem a diz, mas a quem a inventou. Quem a diz, em geral, só repete o que aprendeu de cor. E, de novo, não vejo problema nisso.

 

Os enamorados que ousam ir além, às vezes, optam por escrever alguma coisa única, ou ensaiar palavras do fundo do coração para declarar o que sentem. Não obstante, se compararmos uma escrita a outra, uma declaração a outra que foram dadas em diferentes partes do mundo e em diferentes contextos, veremos que haverá mais semelhanças que diferenças. Em uma se dirá: “Teus olhos são jabuticabas”. Em outra se dirá: “Teus olhos são safiras”. A essência será a mesma. As metáforas terão a mesma mensagem e intenção.

 

O amor, para dar certo, não precisa ser original, diferente ou criativo. O amor, para dar certo, precisa existir. Não importa que sua existência seja banal, que ela não passe de um mero chavão. Importa, simplesmente, que ele exista.

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