Cacofatofobia


 

Enquanto estás na festa, fico em casa a ler alguma coisa para esquecer-me de ti. É em ocasiões como esta que um ser tímido aprende novas palavras. Talvez não saibas, sei que não gostas muito de ler... — ao menos, pareces não gostar mais de ler o que escrevo, já que não curtes mais nada do que publico — mas há uma palavra — dicionarizada! — para descrever a aversão ou o horror ao cacófato: cacofatofobia. Confesso que, para mim, é mais razoável ter aversão ou horror a essa palavra do que a cacófatos. Ela, em si, é um trava-língua de elevada complexidade que mal consigo dizer sem gaguejar.

 

Talvez não saibas — ou saibas, mas de forma incompleta — dos meus medos, das minhas fobias. Não consigo ficar muito tempo em meio a muita gente conversando, interagindo entre si. Soma a isso o meu medo de covid-19, um dos meus poucos medos que considero racionais. Por isso, não fui à festa. Preferi ficar em casa lendo alguma coisa para te esquecer. Dentre os meus medos, que não são poucos — tenho medo de ventiladores, de pessoas fazerem cócegas no meu pé etc. —, ao menos, não consta um: a cacofatofobia.

 

Por um momento, um dia desses, pensei que talvez eu tivesse algum grau de tripofobia: o medo irracional de coisas com buracos ou padrões irregulares. De fato, tenho alguma aversão a textos, especialmente listas, que sigam padrões irregulares demais. Talvez te lembres de quando escrevi sobre os planos de governo dos políticos da nossa cidade, e de como eu ficava cobrando, parecendo um louco, um mínimo de paralelismo quando eles listavam suas metas. Contudo, felizmente, fiz um teste on-line e nada me indicou que eu tivesse tripofobia.

 

Procurei, mas não achei, na internet, algum teste que pudesse me indicar se tenho ou não tenho cacofatofobia. Imagino que eu não tenha. Porém, persegue-me certo medo — não aversão, mas medo, mesmo — dos efeitos das combinações de certas palavras; efeitos esses — sonoros, estéticos — que podem ser muito desagradáveis para quem escuta, lê, escreve... É aquele medo de juntar palavras e formar algo incômodo, inapropriado, fora de momento e de lugar. Algo como tentar alocar “eu”, “te” e “admiro” em uma mesma frase; algo como tentar fazer que caibam “és” e “incrível” em uma mesma oração.

 

Sei que as combinações de vocábulos que eu disse não constituem cacófatos. Todavia, também sei, e também deves saber, que são bastante indesejáveis em uma série de contextos. Já cometi uma grande bobeira, no passado: já te pedi — quando eu não te admirava tanto quanto hoje, quando eu não te achava tão incrível quanto hoje — que entregasses uma carta a uma pessoa de quem, na época, eu achava tudo isso que hoje acho de ti. Fizeste-me o favor, e nunca escrevi nada para ti.

 

Este texto, esta confissão, no entanto, não é para ti. É para mim, é para eu te esquecer. É um paradoxo, mas para que eu me esqueça de ti, preciso me lembrar de ti. Preciso racionalizar o que sinto, transformá-lo em palavras. E como o que sinto é um tanto novo — não que eu nunca tenha sentido isto, mas confesso que nunca senti isto desta forma, com esta intensidade —, é natural que me faltem palavras, que eu precise de palavras novas. Foi a partir desta necessidade natural que fui levado por meu coração a um dicionário, no qual descobri a palavra cacofatofobia. Não é uma palavra bonita, nem fácil. Tampouco é um sentimento, mas é o que sinto, aqui, agora, sozinho. Nunca imaginei que me sentiria assim, desta forma, por ti... Mas o que descreve meu íntimo, hoje, é isto: cacofatofobia.

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