Aporofobia patense denunciada por Julio Lancellotti
O padre Julio Lancellotti,
da Paróquia São Miguel Arcanjo, de São Paulo, vem denunciando em suas redes
sociais, há algum tempo, discursos, cartazes, ações e obras arquitetônicas
espalhadas por todo o Brasil que reafirmam e que, por vezes, materializam a
aporofobia da sociedade. Eu, como patense, já esperava que, em algum momento, o
sacerdote publicasse algo relacionado a meu município, pois, aqui, a aporofobia
é naturalizada há décadas. Minha expectativa se confirmou hoje, quando Lancellotti
divulgou cartaz, fixado na rodoviária da cidade, em que se lia: “Patos de Minas
não quer pessoas morando nas ruas / Não dê esmola! Dê futuro”.
A Prefeitura logo
respondeu à postagem, realizada no Instagram: “Boa tarde, Padre! Essa arte não
é da Prefeitura de Patos de Minas. Toda a nossa comunicação e administração é
feita de forma consciente, respeitosa e com olhar atento ao próximo. Fica
também o convite para conhecer de perto o trabalho da nossa Secretaria de
Desenvolvimento Social, que atua com as pessoas em situação de rua diariamente,
em trabalho constante. Um abraço!” Ao comentário, uma internauta indagou: “e já
foram atrás pra saber de quem é essa arte?! Pois estão falando em nome da
cidade...” — ao que a Prefeitura respondeu: “Estamos sim, verificando com o
terminal rodoviário. Pois tem a logo da prefeitura.”
Outra internauta, quiçá
em tom irônico, digitou: “Provavelmente a @prefeiturapatosdeminas
tem um excelente programa social para tirar as pessoas da situação de rua e vai
contar para nós agora, certo [?]”. O perfil do Poder Executivo do município
respondeu: “Você pode conhecer o nosso trabalho por aqui também. Estamos em
contato direto com o padre Julio e também com o terminal rodoviário, para
esclarecer as circunstâncias deste banner.”
Pouco tempo depois, o
sacerdote realizou outra publicação, em que dizia: “Prefeitura de Patos de
Minas mandou retirar, agora, os banners
da rodoviária. Foram colocados há seis anos!” Uma usuária da rede social
digitou: “Eles não conseguiram dar futuro, não é, padre?” De fato, parece que
não conseguiram. Fato que é esse cartaz não é recente. Nele, há identificação
da Prefeitura e da Tijucana, empresa administradora do terminal rodoviário. Lembro-me
de ver na cidade, desde criança, essa campanha de não dar esmolas.
Particularmente, o caso da rodoviária já foi objeto de pergunta minha em aula
da Unicamp no ano passado, em que se falava sobre espaços públicos. Comentei como
espaços públicos são avessos ao público, ou, melhor dizendo, como são seletivos
acerca do público autorizado a frequentá-los.
Também já critiquei a
aporofobia em Patos de Minas em outras ocasiões. Em novembro do ano passado,
publiquei em meu blogue o texto “Limpem as praças de Paris”, em que eu
comentava fala de vereador que pedia “limpeza” de praça em que se refugiava um
homem em situação de rua. Há pouco mais de um ano, em janeiro de 2021, escrevi
texto de nome “Paris não é aqui; Paris é logo ali”, publicado em meu blogue e
no site Patos à Esquerda, em que eu criticava a elite patense no contexto da
volta às aulas na pandemia. Com efeito, esta cidade é o “lócus” da aversão aos
mais pobres; para comprovar isso, basta ler as notícias locais que dão
visibilidade às reivindicações higienistas dos donos de estabelecimentos
comerciais próximos à Lagoa Grande e à rodoviária.
Não sei se, realmente, o
cartaz em questão foi elaborado pela Prefeitura. O que tenho certeza é que,
ainda que não tenha sido por ela elaborado, foi por ela aprovado, mesmo que
passivamente, já que nada foi feito para retirá-lo em todo esse tempo (seis
anos, segundo padre Julio). É impossível dizer que esse cartaz nunca foi notado
por alguém do Poder Executivo. Todos os patenses sabem que a presença da
campanha antiesmola no terminal rodoviário é (ou, pelo menos, era) de longa
data. Dar ou não dar esmola é algo que diz respeito aos princípios e à
consciência de cada um. Não se deve legislar ou executar políticas públicas que
obriguem ou que proíbam isso. Mas é mister combater, ao máximo, a cultura da
indiferença, que se concretiza em materialidades como essa.
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