Limpem as praças de Paris

 


Um vereador de Patos de Minas publicou, recentemente, nos stories do seu perfil no Instagram, foto de uma praça da cidade em que há um abrigo improvisado de uma pessoa em situação de rua, ao lado de objetos que, provavelmente, pertencem a ela. Na publicação, o legislador marca o perfil da prefeitura municipal e escreve: “(...) quero informar novamente que essa situação não pode continuar! Praça não pode ser moradia de cidadão. Alem disso, está acumulando uma sujeira grande no local. Portanto, se possível, pedir para podarem a praça e fazer a limpeza do espaço!”

 

Querendo ou não, a fala do vereador me soou um tanto higienista. Eu, em seu lugar, teria advogado, em primeiro plano, o cidadão na praça, não a praça em si. Algo assim: “Quero dizer novamente que esta situação não pode continuar! Um cidadão não pode ter uma praça como morada. Ela está suja, e ele merece uma morada limpa e digna para viver. Portanto, se possível, ajudem-no a ter uma condição de vida melhor e, em segundo plano, cuidem da praça”.

 

Sei que a sujeira é, de fato, um problema. E que limpar implica retirar de algo a sujeira. Mas não sei o que, em sua visão de mundo, o parlamentar entende por sujeira. Ferreira Gullar ensina-nos que não só coisas podem ser sujas: até mesmo poemas podem ser. E que dizer de pessoas? Manuel Bandeira não nos já revelou que o bicho na imundície do pátio era, na verdade, um homem?

 

Acontece que, em uma concepção ética, pessoas podem ser ou estar sujas, mas não podem ser, elas mesmas, sujeira. Dessa forma, assim como “podar a praça” não inclui, em seu programa, podar os membros do corpo humano de quem vive nela, “limpar a praça” não pode se referir, nem mesmo indiretamente, a varrer para fora, ou para debaixo do bueiro, quem nela mora.

 

No século XIX, em Paris, cidade que muitos patenses confundem com seu lócus da ignorância e do atraso, a situação urbana, para a burguesia, era um tanto precária: seu luxo coabitava com a miséria do resto do povo. O problema precisava ser resolvido urgentemente, em nome da higiene e da estética. Foi então que o prefeito Georges-Eugène Haussmann desenvolveu várias ações que resultaram em transformações urbanísticas bastante significativas na capital francesa.

 

Ora, pessoas habitarem um parque ou uma praça não é, em si, um problema — mas um sintoma. O problema real é o que leva essas pessoas a estarem e a permanecerem ali. Expulsá-las desses espaços públicos, portanto, não resolve problema algum: como não têm onde viver dignamente, elas precisarão procurar outra praça, parque ou fim de mundo para se refugiarem.

 

Não pretendo, aqui, criticar o vereador que fez a mencionada publicação no Instagram, pois não sei se ele tem, de fato, intenções higienistas ou aporofóbicas. Critico, sim, as intenções higienistas e aporofóbicas que ainda existem nesta cidade e neste país, e que guardam forte semelhança com a fala do parlamentar. São as mesmas intenções que autoridades japonesas demonstraram ter ao expulsarem, este ano, moradores de rua das proximidades de estádio olímpico, bem como de estações de trem e de parques em Tóquio. Ou que o governo Doria escancarou ao jogar jatos de água fria em pessoas em situação de rua na Praça da Sé, no centro de São Paulo, em 2017.

 

É como já dizia uma marchinha antiga: a água lava tudo, só não lava a língua — ou o caráter — dessa gente. E essa gente está em todo canto, inclusive aqui, e querem ter suas praças limpas de toda sujeira. E de toda gentalha.

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