Poema a uma velha paineira



Naquela praça, em tua sombra,

brincaram nossos avós
quando ainda eram crianças.
 
Foste tu também criança um dia,
como todas as tantas crianças
que viste nascer, crescer,
envelhecer e morrer,
como os nossos avós.
Foste plantada pela avó Maria Luísa
e eternizada por tantas outras vovós Marias
que te regaram e te abraçaram
em dias de seca.
 
Certa vez, quando floresceste
cinquenta e sete anos atrás
(tu te lembras?),
um moço elegante, de bigode,
pegou uma flor
que caía suavemente
de um de teus galhos
e ofereceu-a a sua namorada,
como adorno para o cabelo.
Depois, foram caminhando
de mãos dadas, sumindo no horizonte
naquele fim de tarde.
 
Há dezoito anos, no ensolarado
vigésimo quarto dia de maio
(tu te lembras?),
ofereceste tua sombra fresca
a um menino que desfilava na avenida,
cansado de levar uma bandeira.
Ele olhou para ti e disse:
“Obrigado, dona árvore!”.
 
Assististe a pedidos de casamento,
a primeiros beijos,
a primeiros dias de aula.
Permaneceste firme em meio
à verticalização do espaço,
ao lixo nas calçadas,
ao aumento dos assaltos,
aos acidentes de trânsito.
 
Permaneceste de pé,
sempre de pé.
 
Por ironia poética do destino,
permanecias de pé por
estar tombada,
e hoje foste tombada
ao chão.
 
Sempre te recordes de nós,
velha paineira.
Sempre te recordes de nós.
Ainda florescerás
em muitas estrofes e canções
do teu povo querido. 

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