Quando eu ficar velho

 


Quando eu ficar velho, quero ter uma casinha,
pequenina, no campo, ao lado de um riacho
com água fria e boa pra pesca.
Ao fundo, um jardim, uma horta e um quintal
com uma frondosa quaresmeira no meio.
A dois quilômetros, uma colina verde,
uma capela pequenina em riba do morro,
aos cuidados de um capuchinho risonho
que vem de vez em quando da cidade,
e que gosta de andar descalço
e de chupar jabuticaba quando é época.
Vizinhos carismáticos, de boa prosa,
não muito próximos nem muito distantes,
vão comigo à missa pra rezar,
e depois partilhar biscoitos, café, conversas.
Debaixo do pé de manga do quintal
gostará de tirar soneca Bilu, meu cachorro,
arisco e brincalhão como nenhum outro.
Figo, meu gato, vai estar dormindo
debaixo do fogão a lenha, sobre o papelão
que guardarei para acender o fogo.
De vez em quando, Figo brigará com Bilu,
e Bilu com Figo, mas logo farão as pazes,
pois Gustavo, meu neto, os apascentará
com um naco de pão quentinho.
Será uma viuvez tranquila,
olharei retratos em tardes saudosas,
relembrarei com ternura os que já se foram.
Em dias de chuva, deixarei as botinas
cheias de barro do lado de fora,
tirarei do embornal um pouco do milho verde
que peguei emprestado sem pedir do vizinho,
farei mingau doce e colocarei queijo em cima.
Ao levar o mingau quente à boca,
vou me descuidar e queimar a língua,
rir e me lembrar dos beijos de minha amada
e finada esposa com nome de flor.
Morrerei tranquilo, em paz,
enquanto descasco uma laranja
com um canivete sob o pé de caju.
Partirei sem nem notar, porque eu já
estaria vivendo no paraíso há alguns anos.
Bilu me encontrará caído,
a princípio achará que estou dormindo,
mas, vendo que não, latirá forte
até que algum cavaleiro de chapéu de palha,
que esteja passando com seus cachorros,
pense que algum tatu ou veado
estivesse por ali.
Dará uma ordem a seus cães
para que farejem o bicho,
acharão o bicho já morto.
O cavaleiro tirará seu chapéu em respeito,
rezará um padre-nosso e uma ave-maria
e sairá em disparada a informar a vizinhança.
E eu, vendo tudo do alto, sentirei dó
do Figo, que estará encolhido num canto,
com medo de tanto cachorro.

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