Internet, tempos e vontades



Fiquei dois dias sem internet. Eu estava na roça. O vento da noite de sexta-feira foi forte, e danificou a antena de internet da região. Felizmente, eu tinha bons livros comigo, e também minha família, e isso me ajudou a passar o tempo.

 

Ficar digitalmente isolado tem as suas vantagens. Antes de eu me mudar para Patos de Minas, isto é, quando eu ainda vivia no campo, a conexão era muito limitada. Praticamente inexistente. Quando ganhei meu primeiro celular, acho que em 2016, eu recebia mensagens por WhatsApp da seguinte forma: meu pai havia fixado uma roldana no alto de um eucalipto. Um circuito fechado de corda passava por essa roldana, no qual ficava presa uma garrafa PET com uma abertura no meio. Eu colocava o celular dentro dessa garrafa. Então, eu puxava a corda, e o aparelho era levantado alguns metros do chão. Lá no alto, o sinal fraco de internet, a cada quinze minutos em dias de céu claro, conseguia receber ou enviar uma mensagem. Em dias nublados ou chuvosos, era impossível comunicar-me dessa forma.

 

A internet só foi efetivamente instalada na fazenda quando eu já estava na cidade. Minha fonte de consulta e de pesquisa cotidiana foi a mesma da geração de meus pais: enciclopédias Barsa, Larousse, Delta Universal. Naturalmente, algumas informações desses livros já estavam seriamente desatualizadas, mas não deixavam de ser muito instigantes para mim. Eu tinha quase nenhum livro de literatura, mas eu sempre pegava um emprestado da biblioteca da minha escola, no distrito de Alagoas. Quando comecei a participar do Programa de Iniciação Científica da OBMEP, em Patos, deixavam-me vir com os professores, no ônibus só deles, até a cidade. Era uma época em que eu tinha bom acesso à internet aos fins de semana. Foi por meio dos encontros da OBMEP que conheci alguns dos que seriam meus futuros colegas no IFTM.

 

Em suma, nos tempos em que a internet faltava, a internet não me faltava. Hoje a tenho e não vivo sem ela. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” — escreveu Camões em um soneto. Mas, não lamento de modo algum de ter vivido sem conexão quando mais novo. Sou o que sou também devido a essa desconexão. Com efeito, vivi a vida real, a vida que se toca, a vida em que se suja, em que se rala o joelho, em que se pega bicho-de-pé. Isso, muita gente nova não viveu.

 

E o vento levou a internet este fim de semana. O lado bom foi que não fiquei sabendo de nada do desgoverno federal. Nem do senhor presidente. Nem do blá-blá-blá do reality show do momento. O lado ruim é que não pude revisar, por uma última vez, um artigo que eu estava escrevendo com uma professora-orientadora-amiga. Nem pude assistir ao vivo a uma entrevista cujo entrevistador e cuja entrevistada são pessoas por quem tenho grande admiração. Nem pude acompanhar a transmissão da Missa presidida pelo Papa Francisco.

 

A falta de internet, hoje, propicia-me experiências diferentes das que a presença de internet me propicia. Não melhores nem piores, mas diferentes. Às vezes, precisamos quebrar a rotina e buscar algo novo. Mas o novo não se suporta por muito tempo. O novo, quando se passa muito tempo, vira velho, costumeiro. Esta noite, resolvi voltar ao costumeiro. Estou em Patos de Minas novamente. Conectado. A um ponto de terminar uma crônica de domingo. 

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