Didi e a Ivermectina
Em postagem de hoje (8) no Instagram, a Prefeitura
Municipal de Lagoa Formosa informou que “Um grupo de empresários preocupados
com o acelerado crescimento de contágios e mortes causados pela Covid-19 em
Lagoa Formosa, entraram em contacto com o prefeito Didi para contar com o apoio
da prefeitura na distribuição de 30 mil comprimidos de Ivermectina”.
O primeiro parágrafo do texto da postagem já mostra
por que veio ao mundo, ao citar o tal grupo de empresários “preocupados” com a
pandemia. Uma trupe de empresários querendo Ivermectina para o povo: 30 mil
comprimidos para uma população de 18 mil habitantes. Se o texto terminasse com
essa única informação inicial, ele já seria digno de reprovação; infelizmente,
a postagem prossegue.
“O prefeito, que inclusive é usuário do medicamento (sic),
determinou à Secretaria de Saúde que promova a distribuição da substância. O
medicamento ficará à disposição nas UBS’s - Unidades Básicas de Saúde e será
destinado àquelas pessoas que manifestarem interesse em usar o fármaco, devendo
os interessados procurar as unidades de saúde ou em entrar contato com as
agentes comunitárias de saúde (ACS’s).” A prefeitura deixa claro: não é
necessário sequer uma prescrição médica. Basta dizer “eu quero”. E abre espaço
para a dúvida: algum médico foi alguma vez consultado nesse processo? Ora, não
foi um grupo de médicos que entrou em contato com o prefeito, mas de
empresários; não foi a Secretaria de Saúde de Lagoa Formosa que deliberou a
distribuição do fármaco, mas o “usuário do medicamento” Didi.
E a postagem ainda continua, com seu terrível
desfecho: “Embora a droga tenha gerado controvérsia entre os médicos do Brasil
sobre sua eficácia, essa idéia surgiu porque já existem protocolos de
tratamento precoce, mesmo sem evidências científicas, baseados em trabalhos in
vitro que mostram a redução de replicação viral em 93%”, e é citada como fonte
uma matéria do Jornal Opção.
Confesso que eu nunca tinha ouvido falar de “Jornal
Opção”, então resolvi pesquisar — trata-se de um site de Goiânia, parceiro do
R7. A matéria em questão é de julho de 2020. O excerto “essa idéia surgiu
porque já existem protocolos de tratamento precoce, mesmo sem evidências
científicas, baseados em trabalhos in vitro que mostram a redução de replicação
viral em 93%” é, na verdade, a fala de um dos organizadores de uma ação de
distribuição de Ivermectina em Goiânia — e não a redação em si do jornal.
Também fiz uma pesquisa sobre a informação da replicação viral em 93%. Trata-se
de uma revisão sistemática rápida conduzida por pesquisadores dos hospitais Oswaldo Cruz e Sírio-Libanês em maio do ano passado. Com efeito, foram obtidos
os resultados apontados pela prefeitura. Não obstante, a conclusão do estudo é
muito clara: “Apesar dos resultados positivos do estudo in vitro, ainda não é
possível saber se a eficácia se repetirá no uso em humanos. Portanto, o uso da
ivermectina no tratamento da Covid-19 permanece não comprovado e depende dos
resultados dos ensaios clínicos em andamento para que haja avanço no
reconhecimento de sua eficácia e segurança no tratamento da COVID-19.”
Ora, alguns meses depois, está cada vez mais evidente
a ineficácia da Ivermectina para essa finalidade. A prova mais real disso é a
recente nota emitida por sua própria fabricante, afirmando que ainda não há
evidências de que o fármaco traga benefícios ou seja eficaz no tratamento da
covid-19. Além do mais, estão sendo noticiados, com muita frequência, casos de
pessoas com efeitos colaterais causados pelo uso indiscriminado de supostas
medicações contra a doença. E, para se ter acesso gratuitamente à Ivermectina
em Lagoa Formosa, bastará dizer “eu quero”!
Tratamento precoce para a covid-19 não existe, e a prefeitura desse município o incentiva. A postagem de hoje é muito grave, e merece ser denunciada. Como comentou o internauta Matheus Moreira, seria melhor o senhor prefeito Didi lutar contra a terceirização do Hospital Regional, em vez de exaltar o que não existe. “Seja qual for o caminho escolhido, mesmo o de palhaço, a pessoa tem que estudar muito.” (Renato Aragão)
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