Covides


Há alguns dias, quando fui a um pequeno supermercado do bairro, passei a escutar a conversa de duas senhorinhas enquanto eu fingia estar indeciso sobre diferentes marcas de xampu. Uma dizia à outra: “Acredita que minha neta está com covid?”. “Menina, nem te conto do meu filho...”; em seguida, contou: “Também pegou essa doença e foi lá pro covid! Graças a Deus, ele conseguiu um leito”. “Nossa Senhora! Mas ainda bem que conseguiu o leito, porque a coisa tá feia!”.

 

Como minha enrolação com os xampus já se prolongava demais, peguei um anticaspa (na verdade, fui ao supermercado para comprar uma caneta, mas os itens de papelaria não ficavam próximos das senhorinhas de conversa interessante), paguei-o e voltei a casa. Porém, antes de chegar a casa, refleti no caminho sobre o que eu havia acabado de escutar: “foi lá pro covid”. Na língua popular, “covid” não é apenas nome de doença; é, também, nome de lugar. 

 

O mesmo ocorre com a palavra “rádio”. Meu pai, por exemplo, já trabalhou na rádio. O rádio, no masculino, é aquele aparelho cada vez mais esquecido, que os tiradores de leite levam consigo para o curral e ficam a escutá-lo no início da manhã. A rádio, no feminino, assume o significado de onde trabalham os radialistas. Também pode significar a própria empresa de rádio — gosto muito de escutar a rádio CBN, por exemplo. Mas dou ênfase ao sentido de lugar.

 

A covid é a doença. O covid... virou lugar. Virou o hospital de campanha, o hospital regional, o hospital particular. É onde ninguém quer ter de ir. É onde quem tem de ir não consegue ir por falta de leitos. Por excesso de covid (no feminino) na região. Por não ter dinheiro para bancar uma diária no hospital particular.

 

Há alguns dias, o filho da senhorinha estava no covid. Não sei se hoje continua no covid, se recuperou, se faleceu. Espero que tenha se recuperado. Espero, também, que a neta da outra senhorinha não tenha precisado ir ao covid: que tenha melhorado e contaminado ninguém. E espero que ambas as senhorinhas estejam bem e ansiosas para receber a vacina. E espero, ainda, que a vacina chegue logo para elas, e também para minha senhorinha avó.

 

Que Deus nos proteja do/da covid e abençoe quem está com/no covid. 

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