O primeiro grande desafio de Falcão


Lembro-me muito bem de quando Luís Eduardo Falcão postou, em 24 de outubro do ano passado, uma foto de sua medicação no Instagram Stories. Na época, ele estava diagnosticado com covid-19, e interrompeu suas visitas de campanha para recuperar-se em casa. O remédio usado por ele foi hidroxicloroquina, de eficácia comprovadamente nula para o novo coronavírus. Nesse período sombrio do negacionismo científico e de teorias mirabolantes, um medicamento contra a malária assumiu significados políticos.

 

Com efeito, à medida que o tempo passa, mais se constata que Falcão não tem compromisso algum com o presidente Bolsonaro (o que é ótimo), mas que lança mão de artifícios de discurso para persuadir para si os apoiadores do presidente. Demais, percebe-se que Falcão ainda tem ares de um típico filiado do NOVO (que desde sua criação já nasceu velho), apesar de ter saído do partido. Assim, seus flertes frequentes com Romeu Zema, governador do estado, não são um jogo de aparências, mas um real alinhamento ideológico.

 

Mas, como explicar a aparente transmutação de Falcão? Como é que, de “cloroquiner”, o jovem prefeito virou defensor das vacinas para toda a população? Sendo de centro-direita, é de se esperar que ele esteja onde a conveniência está. E, no momento, a conveniência está em fazer propaganda para a campanha de vacinação municipal, pois parcela significativa da população anseia por ela. 

 

Quando fiz meu intercâmbio cultural na Argentina em dezembro de 2019, tive aulas de tango. Nessa dança, geralmente é o homem quem conduz a mulher. A comunicação entre os dois deve ser imperceptível, e não pode falhar. Caso o dançarino dê o sinal de um giro à esquerda e sua dama o interprete como um giro à direita, um pisará no outro, e esbarrarão no casal ao lado. Fazendo uma breve analogia com a política patense, Falcão prefere assumir a posição de conduzido, enquanto a conveniência lhe dita a condução. Até quando o prefeito conseguirá interpretar corretamente seus sinais?

 

Padre Vieira, no século XVII, dizia que a única diferença entre um morto e um vivo é que o primeiro é pó abaixado, enquanto o segundo é pó levantado. Falcão parece aplicar esse raciocínio também aos cidadãos patenses: a diferença entre o revoltado e o conformado é que um tem os ânimos agitados e o outro não. Dessa forma, o prefeito constrói sua esquiva para as polêmicas a seu respeito, como as relativas ao processo seletivo para a formação do secretariado. De fato, não há melhor borracha para as memórias do que o tempo.

 

Não obstante, como canta Nana Caymmi, há “batidas na porta da frente;/é o tempo”. O mesmo tempo que parece salvar a ainda expressiva popularidade de Falcão lhe trará o maior desafio para seu primeiro ano de governo: o início do ano letivo. O chefe do executivo municipal afirmou no início deste mês que defende que as aulas presenciais voltem o quanto antes possível. E esse “possível” parece não se referir exatamente à segurança da comunidade escolar no meio da pandemia, mas de entraves judiciais. Em entrevista, a secretária municipal de educação afirmou que as escolas estão preparadas para o retorno. A questão é: basta estarem preparadas?

 

Os dois dias de aplicação do Enem em Patos de Minas sugerem um possível cenário para aulas presenciais nas circunstâncias de hoje. Se em um exame tão importante na vida do estudante houve tantas faltas, como há de ser em um simples dia letivo? Se formaram tantas aglomerações antes e depois das provas, como evitar que se formem grupinhos no recreio e antes do início das aulas? Se tantos candidatos tiraram a máscara assim que saíram do local de aplicação, como fazer que todos fiquem de máscara dentro do ambiente escolar? — Penso que muitos só permaneceram de máscara nas salas porque eram obrigados a isso sob pena de desclassificação. E se todo esse cenário foi observado em jovens e adultos, o que esperar das crianças? Serão mais conscientes ou quererão trocar a máscara com o coleguinha porque a dele é do Ben 10?

 

Caso Falcão interprete que o conveniente é abrir as escolas para receberem os alunos, então encontrará uma comunidade escolar dividida. Pergunto-me se a SEMED vai escutar a opinião dos professores e dos alunos ou se tomará uma decisão vertical. Suspeito que, como muito comumente ocorre no Brasil, os mais afetados (no caso, os estudantes) não serão consultados; ou, se consultados, o serão de modo teatral, à moda do Inep. O resultado, caso isso se confirme, será a expressiva ausência de estudantes nas salas de aula, como visto no Enem.

 

Todavia, uma vez que o prefeito patense não é um populista nem um governante incidental — usando um conceito do cientista político Sérgio Abranches —, então ele deve agir com muita inteligência nesse aspecto, pois seu eleitorado é mais racional que sentimental. Se Falcão realmente decretar que voltem as aulas presenciais, os reflexos dessa decisão, como coletivos e ônibus escolares lotados e o consequente aumento de casos de covid-19, podem impactar muito sua popularidade. Esse será o primeiro grande desafio de Falcão enquanto prefeito de Patos de Minas.

 

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