Esquina

 


Ontem, enquanto eu andava na rua ao entardecer, senti algo de tontura; creio que devido ao cansaço, à ansiedade, aos barulhos da rua, a tudo. Olhei para frente e vi um homem com andar estranho. Ele estava mais ou menos longe, e minha visão para longe estava cansada demais para ser lógica, de tal forma que não consegui concluir se o homem vinha ou ia, isto é, se ele se aproximava ou se afastava. Creio que andava na mesma velocidade que eu, e a rua era comprida e reta. Seu andar era estranho, também cansado demais para ser lógico. Parecia estar acompanhado por um cachorro imaginário, pois de vez em quando olhava para o lado, para baixo. Evocava algum nome.


Quando o homem e seu cachorro invisível dobraram a esquina, percebi que estavam se afastando de mim, em vez de se aproximarem. Andei mais um pouco e ouvi um barulho de gato, bravo, e supus que o cachorro o tivesse importunado. Mas depois me lembrei de que na realidade não havia cachorro. De onde vinha o barulho de gato, então? Meus ouvidos estavam confusos demais para apontarem a direção do som. Supus que o homem estranho que havia importunado o gato, talvez porque, em seu andar estranho, tivesse pisado na pata do gato sem perceber.


Tudo era estranho, cansado, imaginário. Nada tinha nome. Onde eu estava? Eu vinha ou ia? A tontura não me deixava formular resposta lógica. Respondia-me: “ao redor”. Eu estava ao redor, ia e vinha ao redor. Ao redor da lógica, da rua, da resposta, da velocidade. Senti a perna doer e vi que eram as unhas do gato; eu havia pisado no gato. Evoquei algum nome e dobrei a esquina.

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