De mal com a língua

Uma das razões pelas quais tanta gente está de mal com a língua é a palavra “mal”. Recentemente, ao andar por uma rua, tive dúvida acerca de como a descrever. A via seria “mal sinalizada”, “mal-sinalizada” ou “malsinalizada”? Decidi pesquisar na internet. Diz o Manual de Comunicação da Secom: “O prefixo mal exige hífen antes de vogal, e l: mal-acabado, mal-agradecido, mal-humorado, mal-intencionado, mal-lavado, mal-estar, mal-entendido. Nos demais casos, escreve-se sem hífen, com aglutinação: malcriado, malfeito, malsucedido.” Pensei: “Dúvida esclarecida! Escreve-se malsinalizada!”. Mas, como minha língua é a portuguesa, refleti um pouco mais e não me dei por convencido. 

Consultei, então, os Cadernos de Redação Oficial do Governo do Amazonas. Diz o manual: “Diante das demais letras, somente quando forma uma unidade semântica, ‘mal’ se une diretamente com a palavra seguinte. Exs.: malcolocado, malcriado, malgrado, malnascido, malpago, malpesado, malsoante, malvisto, malsinalizado.” De novo, pensei: “Então, está resolvido. Achei até a palavra que eu procurava nos exemplos. A rua estava malsinalizada”. Porém, achei que seria imprudente, ainda, dar-me por convencido, tratando-se da língua portuguesa.

Decidi, então, perguntar aos “donos” da língua no Brasil: a Academia Brasileira de Letras. No site da Academia há a seção “ABL Responde”, em que os internautas podem enviar suas dúvidas. Escrevi: “Qual é a grafia correta: ‘a rua é mal sinalizada e perigosa’, ‘a rua é malsinalizada e perigosa’ ou ‘a rua é mal-sinalizada e perigosa?’”. Dois dias depois, recebi um e-mail: “Escreva ‘mal sinalizada’.” Agora pronto!

Concluí que não era a rua quem estava mal sinalizada/mal-sinalizada/malsinalizada, mas a própria língua. O próprio VOLP, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, é a prova disso. Ele registra “mal-assado”, mas não registra “bem-assado”; ele registra “mal-aconselhado”, mas não registra “bem-aconselhado”; ele registra “mal-assimilado”, mas não registra “bem-assimilado”. Pergunto: como ficar de bem com uma coisa dessas?

Enquanto não sinalizam direito nem a rua nem o português, sigo substituindo termos incertos por termos certos: a rua por onde passei é descuidada, a língua é mais ainda. A primeira o é devido à antissilepse, ou seja, à discordância ideológica. Já a segunda o é devido à enorme burocracia que envolve sinalizar bem uma simples rua.

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