Aonde foram as máscaras?

 

Comecei a fazer caminhadas na rua, ao entardecer, tomando todos os devidos cuidados para a saúde, minha e coletiva. Mas, ao passo que percebo que isso está me deixando mais feliz e bem-disposto, noto também uma angústia que em mim surge. Aonde foram as máscaras? — Isso me preocupa. Avisto uma criança, um adolescente, um adulto, um idoso: todos sem máscara. Dá vontade de perguntar: “O que fizeram com sua máscara? Roubaram-na?”, mas bem sei que não a roubaram, nem fizeram nada com ela, a não ser deixá-la empoeirar em um canto da casa, ou umedecê-la com o suor do queixo, ou amarrotá-la no espaço de um bolso ou de uma bolsa. Por vezes, vejo algumas pessoas até mesmo entrarem em lojas sem máscara, sem serem por alguém advertidas. Usar esse simples objeto de proteção tornou-se, infelizmente, costume extemporâneo. 

 

“É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra, parar de praticar costumes pouco aprendidos” — escreveu Rainer Maria Rilke, em uma de suas místicas Elegias de Duino. Assim me sinto. “Onde é que há gente no mundo?” — perguntou-se um eu lírico de Fernando Pessoa, assim como eu mesmo me pergunto. As máscaras podem não ter sido levadas pelo vento, ou por ladrões que têm fissura por saúde; todavia, foram levadas por um motivo. É claro que alguns não usaram máscara uma vez sequer nesta pandemia; sem embargo, sinto que muitos deixaram de usá-la, mesmo com o aumento do número de vítimas da covid-19. Nesse sentido, tenho a mesma dúvida de Tom Zé: “Oh, senhor cidadão/Eu quero saber, eu quero saber/Com quantas mortes no peito/Com quantas mortes no peito/Se faz a seriedade”. 

 

Por que não ter um mínimo de respeito, de empatia, de amor... e usar uma máscara? Muitos dos que não usam máscara ainda se dizem “a favor da vida”. Mas de qual vida? A própria, não é; a do próximo, não é — devem considerar os vírus seres vivos, e serem a favor da vida viral.  

 

Sei que algumas pessoas não conseguem usar máscara, seja devido a dificuldades respiratórias, seja devido a dificuldades financeiras (parcela considerável da população brasileira vive em situação de extrema pobreza). E os outros? Para que escusa apelam a fim de justificarem suas caras desnudas? — Fontes próximas do presidente Jair Bolsonaro disseram que ele, antes de contrair o novo coronavírus, afirmava que “máscara é coisa de viado”. Depois, Bolsonaro se viu obrigado a usar o pequeno objeto várias vezes. 

 

Quando o leitor souber aonde foram as máscaras, que me conte. 

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