Pegue o seu celular

    

    

    – Pegue o seu celular, pois quero fazer um teste.

    Assim disse minha avó, em um dia recente. Ela queria me telefonar. Após conversar um bom tempo com sua cunhada e entender apenas metade do que foi dito do outro lado da linha, e depois de prosear com sua nora – também por meio do celular – em meio a falhas na comunicação, vovó Maria desconfiou de seu aparelho. Não que ele fosse novo – geralmente, desconfiamos do desconhecido –, senão com bons anos de uso: trata-se de um modelo antigo da Nokia, daqueles de “teclinhas”.

    Moro com minha avó desde o início de 2018. Em todo esse período, só ligamos um para o outro quando estivemos distantes; lembro-me, por exemplo, de telefonar avisando que eu chegaria mais tarde a casa porque eu iria ao cinema – em épocas remotas, antes da existência da Covid-19. Desta vez, contudo, conversamos por telefone estando no mesmo lugar. Dizem que casais infelizes, ou irmãos incombináveis, preferem enviar mensagens de texto um para o outro a pronunciar qualquer coisa “na cara”. Mas não foi o nosso caso, dada a nossa convivência harmoniosa.

    Peguei meu celular. Sentamos na sala. Vovó me telefonou. Como eu deveria responder a essa inusitada ligação? Nada me veio à mente senão usar a fórmula mais simples de todas:

    – Alô!

    – Oi, é o Teófilo? – Perguntou minha avó pelo celular, a dois metros de distância de mim.

    – Sim, sou eu. Benção, vó!

    – Deus te abençoe! – Vovó fez uma pausa. – Que estranho, eu estou ouvindo a minha voz na ligação.

    – É porque estamos muito próximos. – Respondi, indo a meu quarto e fechando a porta. A voz de minha avó estava sendo captada pelo meu aparelho, e “ecoando” na chamada.

    Nossa conversa prosseguiu. Conversamos sobre nosso dia a dia. Fui perguntado se eu havia finalizado meus deveres de casa; respondi que sim. E conversamos por mais alguns momentos...

    Só então, percebi a real importância de um celular, ou de qualquer outro instrumento de comunicação. Já dizia Madre Teresa de Calcutá: “A primeira necessidade? Comunicar-se”. Assim como meu smartphone é de suma importância para mim, pois é por meio dele que me conecto com o mundo além de meu quarto, o Nokia de minha avó também faz para ela o papel dessa ponte.

    Sem as novas tecnologias, estaríamos todos verdadeiramente isolados. Sem elas, este texto não poderia ser lido, ou sequer digitado por mim. Foi por esse motivo que minha avó se preocupou tanto com um possível problema em seu aparelho: perdê-lo significaria uma desconexão. Ainda lhe restaria o televisor para se conectar com o mundo distante, mas o mundo próximo lhe estaria paradoxalmente inalcançável.

    No mundo atual, todas as gerações são dependentes das inovações tecnológicas, direta ou indiretamente. Na pandemia, entretanto, as de comunicação e entretenimento ganharam um reconhecimento maior. Sem dúvidas, tê-las não significa fazer bom uso delas; os aparelhos são instrumentos, não resultados...

    Eu e minha avó encerramos a inusitada ligação com risadas. Concluímos que não era o celular dela o defeituoso; provavelmente, eram os dos outros que falhavam – ou, então, alguma coisa no “caminho” entre um celular e outro. Ainda assim, mesmo com falhas de comunicação, minha avó, minha tia e minha parenta distante souberam cumprir o objetivo das tecnologias de que dispunham: não deixar ninguém isolado e solitário nesta crise.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prova

Miniconto

Compilação de pensamentos sobre aquela noite