O besouro


Certo dia, quando abri meus olhos, ainda sem sair da cama naquela manhã, vi um besouro a uns sessenta centímetros de mim. Fiquei deitado de lado, com a cabeça apoiada pelo braço, a olhar o pequeno inseto. Ele estava deitado de costas, como meu tio estranho costuma dormir à noite. Quando meu tio estranho vem me visitar, ou eu vou visitá-lo, não consigo dormir direito, pois ele ronca muito. Mas o besourinho não me incomodou na posição em que estava; parecia-me, na verdade, inofensivo.


Quando abri os olhos, vi o besouro, inicialmente, quieto. Parado. Imóvel. Lembrei-me do curta-metragem O lobinho nunca mente, dirigido por Ian SBF e com a participação de Fábio Porchat. Talvez o insetinho estivesse impossibilitado de se mexer, ou até já estivesse morto. Foi então que ele começou a mover as patinhas, penso que com toda a força que possuía.

 

Li, em algum lugar, que besouros são muito fortes. Acho que é mentira. Fake news. Como pode um animal ser tão forte, se é incapaz de fazer o que eu havia acabado de fazer? Isto é, o simples ato de ficar de lado. Na realidade, parece-me que o besouro é o ser mais fraco do mundo; talvez não todos os besouros sejam assim, fraquíssimos, mas aquele que eu observava era, definitivamente, o espécime mais fraco de todos os tempos. Ainda bem que sou humano. Ainda bem que não sou ele.

 

As perninhas da criatura continuavam balançando-se, com insistência. Se fosse humano, já teria desistido – pensei. Humanos desistem fácil; isso é justamente o que nos faz tão inteligentes, penso. “Por que não desistes?” – perguntei em voz alta ao besouro. Creio que ele não me ouviu, ou não escutou, ou fingiu que nem ouviu nem escutou, pois não parou de mexer as patinhas. Ou, quem sabe, escutou-me muito bem, e quis provar a mim que era capaz de ficar de lado e, posteriormente, seguir seu caminho. Se isso fosse verdade, faria do besouro um ser ainda mais risível e irrelevante – pois seu fracasso era certo.

 

Fiquei pensando há quanto tempo o besouro estaria assim, nessa posição tão desconfortável. Eu não conseguiria dormir dessa maneira; provavelmente, o pobre inseto não dormiu bem aquela noite, a menos que fosse igual ao meu tio estranho. Se fosse como meu tio estranho, teria dormido bem. Muito bem. Com efeito, talvez enquanto o bicho estava ainda parado, assim que abri meus olhos, o inseto estivesse dormindo. Deve ter sido isso. Estava dormindo.

 

“Eu te acordei?” – perguntei-lhe. Não obtive resposta; ele continuou a mexer suas patinhas. Presumi que eu o havia acordado, sim; quando o besouro abriu seus olhos, deve ter se visto em um inferno – se é que besouro tem olhos. “Peço desculpas” – eu disse baixinho. E ele continuou movendo seus membros inferiores – que agora estavam sobre sua cabeça.

 

Considerei a ideia de auxiliá-lo, isto é, simplesmente virá-lo. Seria o melhor dia da vida dele – o dia em que foi salvo da morte. Na verdade, creio que o seria por pouco tempo; bichinhos pequenos como ele não deveriam viver muito tempo, imagino.

 

Lembrei-me de Kafka. A metamorfose. Será que o brilhante escritor concebeu a ideia inicial do tão aclamado livro em uma situação contemplativa como a minha? Decidi observar o inseto por mais alguns minutos. Talvez me surgisse uma inspiração literária. Ou cinematográfica. De fato, as circunstâncias eram muito propícias.

 

Na realidade, não veio inspiração alguma. O que veio foi sono. Então desisti. E voltei a dormir. Mas quando acordei, o besouro já não estava mais ali. Pensei em como teria conseguido se virar. Não achei resposta. “Talvez tenha virado humano” – pensei. Ou talvez eu ainda não tivesse aberto os olhos inicialmente, afinal.

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