Falcão e seu bico


Na última vez que fui a Monte Verde, em janeiro deste ano, tive momentos únicos de educação ambiental na escola de falcoaria da região. Vivenciei experiências com gaviões e corujas, que são aves muito inteligentes e encantadoras. Também vi falcões, mas apenas de relance. Estes estavam sendo reabilitados. Haviam sido entregues pela Polícia Militar aos cuidados da escola, que realiza um lindo trabalho voluntário na reabilitação de aves selvagens.

Mesmo sem observá-los de perto, pude percebê-los de longe. Aprendi que, diferentemente de outros rapinantes, como gaviões e águias, que matam suas presas com as garras, os falcões usam o bico – como os predadores políticos.

Ora, o fato de eu estar longe de minha cidade não me impediu de acompanhar Patos de Minas, cujas aves anatídeas são muito mais dóceis que as de rapina. Nada obstante, nos cumes de sua redondeza não são escassos os predadores e carniceiros oportunistas a fazer a ronda municipal. Até escrevi um artigo de opinião, no período que estive em Monte Verde, de título “VELHO”, em que critiquei a saída de políticos do partido NOVO (que é uma farsa em essência), após decisão do diretório estadual da facção de não lançar candidatos a prefeitos e vereadores na maioria das cidades mineiras.

No texto que escrevi à época, não citei explicitamente o mais famoso caso patense, que critiquei de forma indireta. Tampouco o citei em meu último artigo, “Os frutos virais da incoerência administrativa”. Todavia, a hora de dizê-lo sem entrelinhas chegou.

O futuro candidato a prefeito Luís Eduardo Falcão saiu do NOVO quando soube que não poderia se candidatar por meio da sigla, e se filiou posteriormente ao Podemos, o qual apoiou Aécio Neves e Álvaro Dias para presidente nas últimas eleições presidenciais (em 2010, curiosamente, a sigla apoiara Dilma). Venho acompanhando Falcão, assim como outros pré-candidatos a cargos políticos de Patos de Minas, desde o segundo semestre do ano passado.

Há muitas incoerências discursivas em suas postagens no Instagram. Nesse sentido, a análise do discurso é um campo de estudo extremamente interessante e necessário, e venho aplicando alguns de seus conceitos em minhas observações silenciosas e críticas de suas publicações.

Para exemplificar, no contexto da pandemia do novo coronavírus, a prefeitura municipal foi ágil em adotar medidas preventivas, como o fechamento do comércio. Pouco tempo depois, contudo, representantes dos empresários locais decidiram pressionar o prefeito para sua imediata reabertura – que foi, sem demoras, concedida. Ora, um desses representantes foi Luís Eduardo Falcão, que ocupa, atualmente, o cargo de presidência da Associação Comercial e Industrial de Patos de Minas.

Ontem, o pré-candidato divulgou vídeo no qual critica declaração do prefeito José Eustáquio, que afirmou que, se a pandemia chegar ao município, “nem cemitério pra enterrar o povo” existirá. No fim do vídeo, Falcão deixou mensagem: “Nós temos é que fazer a nossa parte e propor soluções. É isso que estou fazendo aqui. [...] Se possível, fiquem em casa e fiquem com Deus”.

A mensagem final remete a Ethos, noção que remota a retóricos antigos, como Aristóteles, os quais a entendiam como “o caráter que o narrador deve apresentar em seu discurso para se mostrar crível”. Não se trata do que, de fato, ele é, senão do que aparenta ser: simpático, honesto, solidário etc. Falcão aparenta ser isso tudo. Se realmente o é, não sei nem tenho capacidades de saber. Mas conheço a velha incoerência entre o falado e o feito. Como é possível alguém que pediu que as lojas funcionassem pedir também que todos fiquem em casa? “Vou abrir minha empresa, mas não vá a ela”. Inexiste lógica. Quem deseja o comércio aberto, torce por clientes movimentando esse comércio, fora de suas casas. Ou estaria tudo bem, desde que os clientes não sejam amigos nem parentes do empreendedor?

Não quero me estender mais. A visão do falcão é excelente; consegue conquistar presas a grandes distâncias. A coruja suindara, por sua vez, vê bem o longe, mas não o perto. Para distâncias próximas, é quase cega. Assim aprendi em Monte Verde. Quando a pandemia acabar, quero voltar ao sul de Minas. Devo parar de escrever artigos de opinião, para voltar a escrever poemas e crônicas. Estes costumam ser mais leves e breves.

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