Esperanças cautelosas
Aqui,
na fazenda, quase ninguém tem palpite sobre o que se fazer para solucionar a
pandemia – inclusive eu. Acho isso genial: não opinar acerca do que não se
sabe. Fui criado no campo, espaço em que é tradicional ensinar-se a humildade
aos filhos. Nada obstante, conhecemos o que não deve ser feito. Sabemos que as
idas à cidade não podem ser frequentes, e que os cultos e as missas não devem
mais ser celebrados com a comunidade toda reunida.
Mas
acontece que o país é grande, o mundo é grande; a pequena Boa Vista é nem
sequer um ponto no mapa. E, por aí, há muita gente que gosta de propor soluções
não embasadas na experiência – algo que, no meio rural, costuma ser muito
valorizada. Bem, o problema é que ninguém parece saber ao certo o que deve ser
feito – por isso, a cautela é tão importante, como ressalta a cientista Angela
Merkel.
Olhar
o que ocorreu em outros países deve ser interpretado como um ponto-chave. O
escritor português Valter Hugo Mãe, em carta destinada aos brasileiros e
publicada no site The Intercept,
muito nos advertiu, há quase um mês: “Vocês
acreditam que o sistema de saúde brasileiro é melhor que o da Itália? [...] Já
imaginaram quantas pessoas morrerão no gigante brasileiro se em Itália podem
morrer 500 num só dia?”. E acrescenta: “Se
eu estiver ‘escrevendo do futuro’, percebam que não falo de mais de uns dias
adiante. Estamos, talvez, 15 dias à frente. São os 15 dias que têm para salvar
o vosso país de uma derrocada sanitária e econômica sem comparação com nada do
que viram até agora.”
Quando
li a carta, tive vontade de respondê-la quinze dias depois. Mas acabei me
esquecendo de fazê-lo. Valter Hugo Mãe é certeiro. E achou uma eficaz solução
para a pandemia: fraternalmente, aconselhar-nos a seguir a ciência, e não o
Governo, não o Bolsonaro.
Com
efeito, políticos gostam de lançar opiniões. E é natural que isso ocorra. Mas
muitos usam a opinião como fato. Apenas citando o dia de ontem, o presidente
Jair Bolsonaro, achando que tudo não se passasse de uma histeria em cima de um
resfriadinho, decidiu demitir seu ministro da saúde. Gleisi Hoffmann, por sua
vez, a presidenta do tão corrupto Partido dos Trabalhadores, defendeu que o
Estado imprimisse livremente todo o dinheiro que fosse necessário para o povo,
não se importando com quaisquer consequências econômicas futuras.
Pouca
coisa está comprovada; muita coisa está sendo investigada. Apenas há que ter
cautela, como nos pede Merkel. Ter cautela. Não se trata de ir a uma festa e
não tocar a mão das pessoas; trata-se, na verdade, de não ir à festa. De ficar
em casa, sempre que possível. E de ter esperança – e esperança, também no
sentido de espera.
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