Onde ainda se possa abraçar



No último sábado, em que se completaram dois anos de morte de Marielle Franco, participei de evento no Parque Municipal do Mocambo, em Patos de Minas, de nome “Aliança por qual Brasil?”. Integrei sua comissão organizadora e tive momento de fala. A proposta era fazer-se contrapeso à visita de Eduardo Bolsonaro ao município na véspera, sexta-feira 13, a fim de estruturar o partido Aliança pelo Brasil, e às manifestações contra instituições democráticas brasileiras, o Congresso e o STF, que ocorreriam no dia seguinte.

Em forma de ato político e cultural à memória da vereadora covardemente assassinada, discutimos os reflexos de medidas nocivas do Governo em relação a importantes aspectos da sociedade: direitos humanos, população negra, educação e economia. Falei sobre educação. No âmbito local, escancarei a ausência de políticas municipais satisfatórias para assegurar o deslocamento seguro de estudantes do meio rural às suas escolas em época de chuvas; a nível regional, comentei os impactos da gestão de Romeu Zema em Minas Gerais; a nível nacional, apontei o ataque às universidades e institutos federais do país.

Terminado o proveitoso evento, voltei a minha casa, que estava vazia. Minha avó fora refugiar-se no campo, em casa de sua filha, de uma iminente ameaça em terras patenses: o novo coronavírus. A Covid-19, considerada fantasia por Jair Bolsonaro, afugentou, felizmente, a vinda de seu filho à querida capital do milho – mas, infelizmente, expulsou, também, minha companheira de lar que, por causa de sua idade, é considerada em grupo de risco.

A suspensão de aulas nas escolas estaduais não tardou a vir. Na verdade, a se estender, já que, em Patos de Minas e outras cidades, os professores já estavam em greve, dado o já citado descaso do governo Zema. Em breve, foram também noticiadas a suspensão de aulas do IFTM, e, depois, das escolas da rede municipal de ensino.

Europa e Ásia viram-se rapidamente em colapso. Em Resistencia, a cidade em que fiz intercâmbio, notificou-se a segunda morte por Covid-19 na Argentina. Em Patrocínio, nossa cidade próxima, já há a presença confirmada da doença. É como li em algum lugar: a nossos avós, foi-lhes ordenado que fossem à guerra; a nós, é pedido tão somente que permaneçamos em casa.

Sem embargo, na tarde de ontem, deixei, a exemplo de vovó, a capital do milho. Estou, agora, na casa de meus pais, no campo. Vim a este refúgio porque ache onde ainda se possa abraçar, visitar o vizinho, ir ao córrego.

Nada obstante, o rural não é isento das consequências de uma pandemia. Minha avó mesma me transmitiu relato de sua mãe: na época da nefasta gripe espanhola, na roça ocorreu de famílias inteiras morrerem (há de se recordar o tamanho das famílias no início do século passado). E os vivos iam-se de carros de boi, a retirar os defuntos de seus lares.

Cem anos depois, encontramo-nos em nova pandemia. Que tenhamos a certeza de que havemos de superar o novo coronavírus, com o importante ócio dos que, em casa, privilegiados permanecemos, e com o importante trabalho dos que, distantes do conforto, não hesitam em promover as rédeas da ordem, a prevenção, o tratamento, a cura.

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