Os EUA têm muitas estrelas
Nesta
semana vivi momentos de paz. Passei a manhã do domingo no campo, e, à tarde,
fui à casa de meus tios em Patos de Minas, na qual me hospedei até ontem. Ali,
aprendi e pratiquei culinária. Fiz arroz, feijão, carne e tererê (o VOLP registra as grafias “tererê” e “tereré”).
Escrevi e li. Meditei. Assisti a bons filmes: Dois papas, Joana d’Arc (com
a interpretação de Leelee Sobieski) e Minha
mãe é uma peça 3. Escutei a trilha sonora da adaptação fílmica The celestine prophecy, dirigida por
Armand Mastroianni, enquanto eu simplesmente refletia sobre a vida.
Simultaneamente,
contudo, a realidade era outra em algum lugar além do horizonte, que, opondo-se
à imaginação romântica de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, não parecia ser local
“bonito pra viver em paz”. No Irã, também nominado “Irão” em feiíssimo
português, a tensão e o luto eram fortes.
Pensei
que eu não escreveria sobre o assunto. Não obstante, o cronista é como um
cantador que, descrito nos versos de Dori Caymmi e Nelson Motta, “canta o mundo
que vê, e pro mundo que vi, meu canto é dor”.
Hoje
não dormirei em minha cama, apesar de eu estar em casa. Comecei a limpar e a organizar
meu quarto, o que normalmente dura, no mínimo, dois dias. Desfiz-me de muita
coisa inútil ou pouco útil em minhas circunstâncias atuais: papéis escolares,
caixas de sapato, livros didáticos da década passada (2001-2010). Assim, a
solução mais pragmática é-me pernoitar no quarto de visitas.
E
foi quando eu organizava minha estante de literatura que me recordei de um haicai
que escrevi em abril de 2018, de título “Estrela cadente americana”. Este,
agora, era lido por mim na página 28 de meu mais recente livro de poesia, Lágrima. Não discutirei, aqui, o que
pode e o que não pode ser considerado haicai. Sem obstáculos, seguem seus três
pequenos versos: “Bélica estrela/corta o
céu em estrondo/(faça um pedido).”
Com
efeito, no terceiro dia do ano, uma estrela cadente cortou o céu de Bagdá. Era
bélica e americana, e, de fato, fez um estrondo. Não na hora. O rebuliço
ocorreu momentos depois. Não porque o ataque aéreo fora mais rápido que a
velocidade de propagação de suas ondas sonoras, senão porque seu impacto
estendeu-se de forma mundial.
Nas
redes sociais, usuários pediam ao presidente Jair Bolsonaro que ficasse em
silêncio, abstendo-se de se posicionar acerca dos fatos que apenas começavam a se
desdobrar. Sem empecilhos, a “manota”, ou melhor, a má nota, veio do Itamaraty,
por meio da qual o governo brasileiro expressou seu alinhamento com os Estados
Unidos na “luta contra o flagelo do terrorismo”.
Ora, os EUA têm muitas estrelas. Bélicas; não me refiro
às numerosas cinquenta de sua bandeira ou às famosas de Hollywood. E parece-me
que não têm receio de usá-las. Meu tio, o qual me recebeu em sua residência,
fez-me imaginar o mundo sem o país norte-americano. O rápido pensamento
lembrou-me da canção “Imagine”, de
John Lennon. Sem o país de Donald Trump, haveria quase “nada para matar ou
morrer” (“nothing to kill or die for”).
E, talvez, o mundo seria “uma irmandade do homem” (“a brotherhood of man”).
Quantos
conflitos já foram provocados por interferência estadunidense? E quantas
mortes?
Mas
volto ao meu pequeno – como todos os outros – haicai; mais especificamente, ao
seu último verso: “(faça um pedido).” Eis
o meu: que todos possam viver em paz. E tenho ciência da sabedoria popular:
como o revelei, o desejo não se concretizará.
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