Neoliberais não vão à rua


Eu estava na Argentina quando Alberto Fernández e Cristina Kirchner tomaram posse como, respectivamente, presidente e vice-presidenta da República (mais tarde, Cristina deixou claro, em diálogo com um senador, que prefere “presidenta” a “presidente” ao ser referida).

Era uma terça-feira ensolarada em Resistencia, capital do Chaco. Nesse mesmo dia, também assumiam o governador da província e o prefeito da cidade. Meu “pai” argentino, o cantor e compositor Seba Ibarra, que me acolheu em sua casa durante o período de minha estada, convidou-me para participar de um ato público no Parque de la Democracia, um dos mais lindos parques aos quais já fui, no qual ele ia cantar.

Ora, parte de minha missão na Argentina era, com toda a responsabilidade e honra que exigia a tarefa, representar meu país e, sobretudo, minha instituição de ensino brasileira, o IFTM, em território estrangeiro. Parti de Minas Gerais trajando um uniforme verde no qual se incluíam, estampadas, as bandeiras das duas nações vizinhas envolvidas no intercâmbio cultural. Fui a ser um representante da tão atacada e ameaçada educação pública de minha pátria.

E o que encontrei, com efeito, foi mais um lugar em que insinuações eram disparadas contra o ensino público – insinuações em ambientes fechados. Lamentavelmente, confesso que uma de minhas professoras de espanhol disse, a mim e a meus colegas de instituto (em sala de aula), que, em sua visão, a educação deveria ser totalmente privada e que seria melhor se o Estado não se ocupasse de oferecer ensino à população.

Não obstante, receio que não devo escrever muito sobre isso. E, por conseguinte, trarei mais ênfase ao ato público de que participei no dia 10/12/2019, em agradável lusco-fusco vespertino no “Parque da Democracia”, em tradução imediata.

Cheguei cedo ao local, que ainda estava consideravelmente vazio. Pessoas de uniformes e bandeiras, com siglas e cores de distintos movimentos, partidários ou não, também começavam a chegar. Vi também cartazes que pediam aos políticos eleitos que não se esquecessem de suas promessas de campanha.

Nota-se que o sindicalismo em Resistencia é expressivo. Os órgãos representativos organizam paralisações e greves quando os salários não são pagos ou quando outros direitos não são garantidos. No breve tempo em que estive no município, presenciei uma manifestação popular na praça central e a parada do transporte público da cidade por alguns dias.

No dia da troca de governantes, entretanto, o momento era de celebrar. Ao menos no Parque. Enquanto flâmulas eram erguidas, cantavam-se músicas de distintos países da América Latina, as quais suplicavam por liberdade. “Voy a crear un canto para poder exigir/Que no le quiten a los pobres lo que tanto les costó construir/Para que el oro robado no aplaste nuestro porvenir/Y a los que tienen de sobra nos les cueste tanto repartir”, ressoou a canção “Un derecho de nacimiento”, de Natalia Lafoucarde.

Fato é que não houve rebeldias, vandalismos ou agressões na festa da democracia resistenciana. O que houve foi alegria. Sem empecilhos, horas depois, descobri que os neoliberais não haviam comparecido ao evento. De fato, não encontrei lá alguns rostos recém-conhecidos. Aparentemente, neoliberais não vão à rua.

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