Com que roupa?
A
dúvida que me está a incomodar hoje é a mesma que incomodou Noel Rosa anos
atrás: com que roupa eu vou? Certamente, se eu fosse passar o Ano-Novo em outro
país, não teria esse problema. Isso porque em muitos lugares não há essa
tradição, ou invenção, de se usar determinada cor para simbolizar os desejos
para o ano vindouro, como existe no Brasil. Assim, “amarelo” foi a primeira cor
que me veio à mente para vestir-me para a iminente ocasião.
Contudo,
estou na casa de meus pais, na fazenda, o que significa que o número de peças
que tenho à minha disposição é limitado. Por esse motivo, verifiquei que seria
impossível combinar decência e amarelidez. Dessa forma, fui obrigado a pensar
em outra possibilidade estética.
Há
quem critique muito esse costume. Não sou uma dessas pessoas. Pois, se acredito
em signos, como posso afirmar que cores não têm seus significados próprios?
Claro, refiro-me a signos linguísticos. Van Leeuwen, em
sua obra The language of colour, aponta que a sociedade utiliza tais aspectos ópticos com o intuito de expressar sentimentos, comunicar
ideias e favorecer a interação social; sendo tais fins e suas interações abordados pelo que o autor chama
de semiótica social
da cor.
Ora, não creio que quem se traja de vermelho, por
exemplo, atrai novos amores no Ano-Bom; muito pelo contrário, imagino que a
chance é maior de trazer amores antigos à memória. Não obstante, vestir-se com
intenção é uma maneira de revelar um pouco, aos amigos, o que se espera de si, ou
para si.
Em um novo lance de olhar a meu guarda-roupa, vejo
que não me sobram muitas opções. Fato é que não posso ir-me nu; logo, algo tenho
que eleger. Também devo esclarecer que “ir” é tão somente modo de dizer, porque,
na verdade, vou a lugar nenhum; ficarei aqui mesmo, na fazenda, a aproveitar a
tranquilidade que a cidade não oferece nesta data.
Assim, não sei o que deve ser feito. Realmente, há
invenções e convenções sociais que só servem para dar trabalho. Se ao menos
houvesse aqui uma camiseta amarela “apresentável”... Mas nem isso. Enfim, “vou”
de branco. E de calça vermelha. E de cueca preta... Tudo em nome da pragmática.
E, se não posso ter amarelo no corpo, levo na voz: a versão de Emicida será
minha companheira de 2020.
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