Onde esteve Wally?



Estudei um pouco sobre hibernação nos últimos dias. É um processo biológico muito interessante. Os ursos-negros, por exemplo, hibernam de cinco a sete meses por ano. Durante esse tempo, não bebem, comem, urinam ou defecam; seus corações chegam a bater apenas nove vezes por minuto, e respiram tão somente uma vez a cada 45 segundos.

Sem embargo, não são todos os ursos que hibernam. Muito pelo contrário. Espécies como urso-pardo, urso-polar, urso-panda e urso-de-óculos não passam por esse processo. Na verdade, pelo que entendi em minhas leituras, inexiste sequer um consenso entre os biólogos se, de fato, ursos-negros hibernam.

Não obstante, o que vejo é que alguns seres humanos parecem hibernar. Uns, por anos a fio; outros, por meses ou semanas. Exemplos: a cantora Simone parece ter seu metabolismo musical reduzido a quase nada nos meses intermediários do ano, enquanto esse somente volta a crescer em dezembro, com a canção “Então é Natal”. A política Marina Silva, por outro lado, é comumente acusada por opositores de ter uma hibernação cíclica de quatro anos consecutivos, entre uma eleição presidencial e outra.

Sem obstáculos, a figura cuja hibernação mais tem me fascinado ultimamente se chama Tabata Amaral. Quando a deputada declarou apoio à reforma da previdência, a mídia não perdeu tempo em escancarar sua contrariedade com as decisões de seu partido, o PDT, e seu pagamento de 23 mil reais a seu namorado, no período eleitoral de 2018.

Desde então, Tabata tem sido alvo de muitas críticas, uma vez que sua índole fora desacreditada. A ideia de que a jovem ativista defendia suas próprias ideias e sempre pensava no bem dos mais desfavorecidos perdeu-se no passado. Sua imagem transformou-se em uma representante da velha política, que mais se assemelha ao “Centrão”. Não foi à toa que, assim que se desentendeu com o PDT, foi logo cobiçada por outros partidos, como o PSDB.

A verdade é que os brasileiros se esqueceram de Tabata poucos dias depois de sua mácula. Muitos deixaram de segui-la nas redes sociais, dando maior apreço (ainda que pouco) à deputada Sâmia Bomfim, que hoje também já hiberna. Na realidade, populações sentem exigência de encontrar líderes, sejam essas humanas ou não.

Sem empecilhos, ontem li uma manchete a qual dizia que Amaral liderava uma comissão cuja proposta era a retirada da dedicação exclusiva de professores federais. Levei um susto. Foi uma emoção igual a quando ouvimos o nome de alguma celebridade antiga e nos perguntamos se esta ainda está viva. Como Amelinha.

Interroguei-me: “Tabata ainda vive (no sentido político)?”. “E o que foi feito do processo que sofria do PDT?”. Pus-me a procurar as respostas. A respeito da segunda questão, constatei que os processos abertos contra os deputados da legenda que contrariaram esta na votação da reforma da previdência foram extintos recentemente – e que Amaral aproveitou o fato para acusá-los de ser mera perseguição política.

Já em relação ao primeiro questionamento, concluí que a jovem ativista ainda vive politicamente, mesmo que hibernando. Enquanto espera decisão judicial do TSE para deixar o partido sem perder o mandato, nega a participação na referida comissão que visa à extinção da dedicação exclusiva.

A sociedade é assim: muitos cidadãos somem sem que alguém perceba. Vários, de repente, nos fazem perguntar: “Onde está Wally?”, estabelecendo analogia à série de livros em que uma personagem sempre está escondida em meio a uma imensidão de figuras. Outros, no entanto, parecem surgir do nada, antes que nos demos conta de que haviam desaparecido. E, nesse ponto, perguntamo-nos: “Onde esteve Wally?”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prova

Miniconto

Compilação de pensamentos sobre aquela noite