Shimenawa e o “nó” da língua

Um dos símbolos religiosos que mais me chama a atenção é a shimenawa. Trata-se de cordas de cânhamo ou palha de arroz entrelaçadas, usadas em locais sagrados do xintoísmo para afastar espíritos malignos. Algo próximo é visto nas crenças brasileiras, com o advento das carrancas do rio São Francisco. Entretanto, estas originalmente eram feitas apenas para servirem de mercadoria, sendo o próprio povo quem posteriormente atribuiu a elas poderes místicos, conforme apontam historiadores.
A
shimenawa também serve para indicar a
presença de uma divindade, sendo amarrada ao redor de árvores e pedras. Como se
fosse uma lâmpada de luz vermelha em sacrários católicos. Ainda no mundo
cristão, o elemento do xintó recorda-me um pouco o komboskini, cordão de oração ortodoxo. Ou até mesmo o próprio
rosário da fé eclesiástica.
Por
sorte, o Ocidente não transformou a shimenawa
em algo desprovido de sentido, como faz com inúmeras palavras do Oriente e/ou
científicas. Um exemplo é o zen. Aliás, se algum termo estrangeiro está
dicionarizado em português, possivelmente o está com definição diferente da
original. Se ouço alguém dizer “zen”, suspeito que não esteja a fazer
referência à forma de budismo caracterizada pela contemplação intuitiva, senão
a um vago relaxamento qualquer. Provo isso com o argumento de que “zen” sofreu
até mesmo adjetivação popular: “Fique zen!” – diz algum coach quântico por aí.
Creio
que talvez a boa sorte da shimenawa não
se deva tão somente a seu poder de afastar coisas do mal, senão também à sua
complexidade de escrita para um brasileiro. Eu mesmo, confesso, em tempo
anterior ao começo desta crônica, procurei no buscador virtual as grafias “chimenala” e “chimenawa” antes de chegar à correta.
Assim,
creio que o que as cordas xintoístas não têm de nó físico se converte em nó de
língua. E a língua portuguesa já está cheia de nós – a transbordá-los. “Nó”, em
português, serve até mesmo de interjeição, sendo uma forma abreviada de “Nossa
Senhora Aparecida, padroeira do Brasil”. E tal redução tão drástica é retrato
de como o brasileiro é preguiçoso ao falar. Não é sem motivo que mineiro ama segregar
duas sílabas a cada uma. E, quando puxa o fôlego em tentativa de expressar
fascínio, ainda consegue ser paradoxal: “Minha nossa!”.
Mas,
para a minha alegria, posso continuar fascinado silenciosamente por shimenawas, pois tenho a certeza de que
estas não serão incorporadas ao meu idioma tão cedo. Nem o komboskini. E nem o zazen,
do qual gosto muito de praticar. Uma sílaba a mais ao zen basta para proteger
seu pilar das bocas linguarudas de nós, ocidentais. Meditemos.
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