Fofo sufixo


Não me recordo quando comecei a seguir desenfreadamente páginas de animais de estimação em minhas redes sociais. Tudo começou com Abigail, uma porquinha do Instagram. Tampouco me lembro de como encontrei seu perfil. Não obstante, foi um incidente que desencadeou uma série de consequências que se manifestam até hoje.

Certo dia, minha amiga Mariles enviou-me um convite para que eu seguisse um grupo de compartilhamento de mídia fofa no Facebook. Em geral, não me sinto atraído por grupos virtuais – ou presenciais. Contudo, permiti-me provar um pouco o conteúdo o qual foi a mim sugerido.

Depois de eu tê-lo verificado, rapidamente me integrei ao grupo como comentarista e “reacionário”. E fui, sem notar, tornando-me dependente de fotos e vídeos de felinos, caninos, ovinos e vulpinos. Fui transformando-me em um amante de cobras e cabras, de leões e camaleões – penso que é assim que “nascem” veterinários e zoólogos.

Sem empecilhos, comecei a perceber que, à medida que eu consumia desregradamente esse tipo de doce entorpecente, diminuiu-se em mim o cansaço psicológico. Foi-se desaparecendo o sono e a ansiedade em horas de trabalho. Foram-se saindo de mim as características dos neuróticos.

Confesso que principiaram a surgir também outras coisas. Uma delas é a serenidade de consciência. Outra é a conciliação comigo mesmo. E, como nesses grupos virtuais é de praxe postar quando um animalzinho falece, fui adquirindo mais conformidade com a morte.

Ao leitor conhecedor básico de psicanálise, talvez já lhe tenha surgido a hipótese de que fui desenvolvendo traços perversos. Ora, não estou mais psicopata do que era antes. Digo, não sou psicopata! Nunca fui. O que quero comentar é tão somente que traços neuróticos se atenuaram em mim, ao passo que outros se fortificaram – graças a animais domésticos e seus respectivos donos.

Ora, mas como escrevi no título, enquanto se desenrolavam câmbios em minha personalidade, tomei conhecimento de um sufixo ainda não reconhecido pelos dicionários de nossa língua, todavia que é de grande utilidade em linguagem informal. É este: -íneo/-ínea.

Tal recurso linguístico é empregado quando se pretende enfatizar a qualidade de fofo de algum ser ou coisa. Exemplos: minha prima tem um “gatíneo” muito “fofíneo”; em meu bairro há uma “cadelínea” marrom muito “gordínea”. Aqui me vali de aspas; entretanto, no cotidiano, estas são dispensáveis.

Não me imagino chamar humanos de “pessoíneas”. Talvez seja um sufixo restrito a coisas não humanas. Afinal, este espécime que aqui escreve pertence à raça mais podre de todas; ao clã da Animalia mais imbecil e maléfico de todos; à trupe de entes mais mesquinha e não fofa de todas.

Somos nós, gente, que escravizamos animais “fofíneos”. É justo, pois, que soframos punições à altura. Não temos o infame hábito de comer “ovelhíneas” e “patíneos”? Logo, parece-me justo que humanos sejam atirados a leões; ou, se mortos por causa natural, lançados aos abutres. Principalmente os neuróticos!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Prova

Miniconto

Compilação de pensamentos sobre aquela noite