Silepse política


O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em mensagem publicada em julho condenando ameaças a Miriam Leitão e a Sérgio Abranches, valeu-se de uma figura de linguagem chamada silepse. Tal ocorrido foi comentado pelo ilustre professor Pasquale, em seu cativante podcast da rádio CBN.

Nesse caso em questão, foi empregada a silepse de pessoa. Segundo o dicionário Michaelis, esta é a “silepse em que a concordância não se faz com a pessoa expressa no discurso, mas com uma pessoa que está subentendida: Todos os cidadãos sofremos com a violência urbana”. Nas palavras de FHC, as ameaças aos referidos escritores “são inaceitáveis e envergonham os que acreditamos na liberdade como base da convivência”.

Ora, tal figura de linguagem também é conhecida por “concordância ideológica”, o que me é deveras interessante. Sem obstáculos, estamos na segunda metade de agosto, mais de um mês depois da publicação da mensagem do ex-presidente. E esta ainda me intriga.

Sérgio Abranches é o pai da inteligente expressão “presidencialismo de coalizão”, usada para descrever o modelo político brasileiro. Ora, não sou cientista político; contudo, gosto de linguagens e de me inteirar sobre os movimentos do Governo. Assim, lanço aqui, nesta crônica, a expressão “silepse política”. Quem sabe ela seja estudada no futuro!

Chamo de silepse política, pois, a concordância ideológica entre pessoas envolvidas politicamente. Ora, uso “concordância” em seu seguinte significado, presente no Aulete: “Acordo entre pessoas ou coisas”. Nessa linha de raciocínio, “concordância” não é o mesmo que “unanimidade”, que, segundo o mesmo dicionário, define-se pela conformidade geral dos pareceres, opiniões ou votos.

“Ideologia” é uma palavra polêmica no Brasil contemporâneo. Não deveria ser. Buscando a definição que desejo no dicionário lusitano Priberam, achei: “Conjunto de ideias, convicções e princípios filosóficos, sociais, políticos que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época, sociedade”.

Dessa forma, defino a silepse política como sendo o acordo entre ideias, convicções e princípios entre pessoas em uma interação política. E hoje vivenciei um momento em que notei ser possível encaixar-se a expressão que cunhei. Em uma breve conversa minha com amigos, lembramo-nos de uma apresentação que assistimos minutos atrás.

Ora, eu e meus amigos não temos as mesmas ideias, convicções e princípios; porém, após discretas risadas e indiscretos adjetivos, acordamos uma conclusão. A apresentadora que escutamos no passado próximo não foi muito cativante. “Faltou-lhe... como podemos dizer?” – comentamos. E não achávamos substantivos que completavam de modo satisfatório a frase. Mas cada um de nós sabia exatamente o que faltara à falante.

É interessante como, mesmo com tantos vocábulos e expressões de nosso idioma, às vezes não conseguimos expressar o que sentimos ou o que notamos. É fato que não conhecemos todos os verbetes dos dicionários, entretanto... Como posso dizer? Não sei. Apenas sei que acabo de lançar ao mundo mais uma expressão: “silepse política”. Que o leitor faça bom uso dela.

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