Os humanos e nós
Acontecimentos recentes
têm-me feito refletir acerca de um assunto pouco explorado por artigos
científicos: as semelhanças entre humanos e ratos. Sujos, transmissores de
doenças e muitas vezes indesejáveis, os espécimes da raça humana podem, à
primeira vista, serem completamente alheios a nós, pequeninos e delicados.
No entanto, ao analisar
nossa infância, verifiquei algumas características em comum entre nossas
crianças e os nenéns dos homens. Ambos vêm ao mundo desprovidos de pelos e de
intelecto; ao verem a provedora, a primeira coisa que fazem é lamberem-lhe as
tetas. E, ao crescerem, seus rabos tornam-se mais volumosos e atraentes.
Já adultos, muitos humanos
e ratos transformam-se, lamentavelmente, em criaturas gulosas, mesquinhas e
oportunistas, apodridas pelos próprios maus hábitos. Ademais, aparentemente
inteligentes, são ambos, na verdade, muito suscetíveis a caírem em armadilhas.
Por sorte, sou, particularmente,
um rato erudito; quero dizer, letrado; e, como são de meu conhecimento algumas
linguagens humanas, venho, por meio da prosa, escrever a presente crônica. Esta,
digitada por minhas patas, objetiva estabelecer um vínculo comunicativo e um
convívio pacíficos entre as duas raças em questão.
Ora, como eu ia dizendo,
um acontecimento recente chamou-me atenção: meu amigo Café, negro, batizado e
cuidado por um humano, passou a apresentar comportamentos depressivos e
suicidas. Suspeito que a origem recaia sobre uma série de episódios de racismo.
Sem obstáculos, é de meu conhecimento que o dicionário Michaelis, em sua segunda acepção para “racismo”, define tal
palavra como “Doutrina que fundamenta o direito de uma raça, vista como pura ou
superior, de dominar outras”.
Em face disso, não me
contive em urinar sobre o dicionário de minha protetora, ao ler nele o
significado registrado no parágrafo anterior. Pois, como é possível que os
homens acreditem que são mais puros e elevados que nós? Afirmo diretamente a
vocês, humanos, que porventura estão a ler esta crônica: tal doutrina dogmática
é nada científica.
Infelizmente, Café acabou
matando-se. Mas Chá, por sua vez, comprado pelo mesmo dono do primeiro, após a
passagem do coitado para o além, tem se manifestado de modo muito mais aprazível
à alma extrovertida do racista. Branco como leite e, confesso, mais sensual
(quiçá por chá conter teofilina), foi desde então melhor alimentado que o
antecessor.
Contudo, fiquei sabendo
que Chá também quase se matou, mas sem querer; porque o homem certa vez segurou-o
em uma das mãos e, afagando-o, o rato quase teve um orgasmo e quase pulou e
quase caiu de cabeça no chão. Quem me contou foi Cerveja.
Em suma, que fique claro
que nós, ratos, exigimos direitos iguais, independentemente de cor; assim como
não admitimos práticas de racismo, de qualquer espécie. E espero que humanos
compreendam-nos, e que nos aceitem, pois, como foi provado por eles mesmos em
inúmeras animações, podemos ser muito úteis às suas vidas profissional e
pessoal.
Comentários
Postar um comentário