Meu cais
“Cais”, composição de
Milton Nascimento, é uma de minhas músicas preferidas. Ela é majestosa e
pequenina. Singela e monumental. “Cais”, para o dicionário Aulete, é, em um porto, o “lugar no qual um navio atraca para
embarque e desembarque de passageiros e mercadorias”. Não obstante, nos versos
de “Bituca”, um cais, quase paradoxalmente, pode ser inventado “para quem quer
se soltar”.
Pois, soltando-me das
linhas de Milton, encontro na voz de Gal uma conexão: “Passagem nessa vida
passageira... para uma vida ainda passageira. O sonho é ter tudo dissolvido: o
corpo, a mente, a fonte da lembrança. Enfim, ponto final na esperança: somente
as ondas soltas no oceano” – composição de Gil. A efemeridade da vida, a
transitoriedade das coisas: talvez sejam esses os elementos comuns às duas canções.
“Eu queria ser feliz...
Invento o mar, invento em mim o sonhador!”, sussurra Nascimento. Não tenho
certeza se sou feliz. Sei que, às vezes, sou. Ou melhor, “estou”. Mas, à
semelhança do eu lírico da música, gosto de inventar em mim o que não me define
em essência. Ao exemplo do ato de sonhar. Não sou pescador nem sonhador;
entretanto, quando escuto Milton e Caymmi, passo a sonhar e a pescar.
E quem pesca e quem sonha
precisa soltar-se. E “eu sei a dor de me lançar”. Em meu caso, tal dor é ligeira
e também inventada por mim. Apóstolos mártires tiverem mais duras penas do que
eu ao serem pescadores e sonhadores. Mesmo assim, creio que tinham eles os seus
cais.
Meu cais é meu coração.
Não falo de meu órgão, claro, senão do centro de minhas emoções. E meu mar e
oceano é o que piso à minha volta. E meu “saveiro pronto pra partir” é minha
alma... “Não mais o esperma e o óvulo da morte”, canta Gal. “Minha jangada vai
sair pro mar”, cantou Caymmi.
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