Enxergar o que não se vê


Gosto de muitos jornalistas. E um deles é Fernando Gabeira. Nascido no início da década de 40, Gabeira cativa-me em muitos sentidos. Já brinquei em certa ocasião com um amigo meu que, quando eu crescer, quero ser como o referido profissional em alguns aspectos. Também admiro muito sua prima, a também jornalista Leda Nagle. Sem obstáculos, tenho algumas divergências em relação às opiniões políticas de ambos.

Ora, Gabeira já foi político. Filiou-se ao Partido dos Trabalhadores e ao Partido Verde em tempos passados. Às vezes, escuto o jingle de uma campanha sua. “Rio de Gabeira, 43!”. Muito “chiclete”; trata-se de uma música realmente aprazível. De meu ponto de vista poético-musical, a pequena composição é quase impecável.

Bem, hoje li um artigo da revista Veja, escrito por Reinaldo Azevedo em março de 2008. Nele, o autor apontou que Gabeira, naquele contexto, defendia que, se eleito prefeito do Rio de Janeiro, não aceitaria indicações políticas para ocupar cargos no governo. Azevedo refletiu: seria mesmo essa uma proposta progressista? Escreveu: “Gabeira pode ser inclusivo o quanto for, mas estará se relacionando com outros, que não compartilham de seus mesmos valores”. Disse ainda: “A escolha de indivíduos alheios às maquinas partidárias ou à vida política não torna, por si mesma, a administração melhor”.

Após os votos terem sido apurados meses depois, constatou-se que o jornalista que tanto estimo não saiu vitorioso, por pouco. Sem empecilhos, mesmo eu tendo grande admiração por ele, concordo com o colunista neoliberal da Veja. Inexistem garantias de que eleições para cargos público-administrativos resultem em boas gestões. Creio, além disso, que tampouco há maiores probabilidades de que isso ocorra.

Mas, já que citei a revista Veja ao dizer sobre o episódio de hoje, gostaria de escrever aqui, nesta crônica, a diferença entre os verbos “ver”, e “olhar”, valendo-me de acepções dicionarizadas e de exemplos reais de minha vida momentânea.

“Ver”, em sua acepção primeira do Aulete, significa “perceber pelo sentido da visão; enxergar”. Ora, estou a ver, enquanto escrevo, um armário metálico à minha esquerda, o qual percebo por meio de visão periférica. Não estou a prestar atenção em seus detalhes, se está hermeticamente fechado ou se parece levemente aberto. Sei, apenas, que se encontra a aproximadamente três metros de mim, relativamente imóvel.

“Olhar” quer dizer “fixar os olhos em”, segundo o mesmo dicionário. Estou a olhar a tela de meu computador: os caracteres “r”, “e” e “s”, escritos recentemente, são observados atenciosamente por mim. Assim como as não distantes aspas. Leio com atenção o que escrevo, à medida que o faço.

Ora, assim sendo, é-me o nome “Veja” bastante interessante. Terei desencadeado um paradoxo ao ler o artigo de Azevedo? Meu professor de literatura comenta, às vezes, que em verdade “Veja”, enquanto substantivo próprio, combina muito bem com a revista mencionada. Rio-me quando diz isso. É um homem muito inteligente.

Por fim, despeço-me desta crônica justificando o título, para que leitores não digam tratar-se de paradoxo. Uma das acepções de “enxergar”, no dicionário Aulete, é “fazer considerações sobre algo, sobre outrem ou sobre si mesmo; julgar(-se)”. É isso. Agora, posso finalmente olhar o armário em paz.

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