Cartas privadas



O filósofo Luiz Felipe Pondé gosta de ressaltar que a economia é uma ciência triste. Concordo. E acrescento: a respeito da brasileira, entristeço-me toda vez que procuro inteirar-me sobre seus últimos fatos. Hoje mesmo li que o Governo anunciou seu desejo de privatizar dezessete estatais. Entre elas, os Correios.

Ora, eu, como amante de escrever cartas à mão, jamais seria a favor da privatização de tão importante estatal brasileira, a qual encerrou 2018 com lucros líquidos de R$161 milhões. Confesso que já escrevi cartas a Uberaba, Monte Verde e Patos de Minas, e nem sequer uma delas foi desencaminhada ou entregue em data mui posterior à prevista. Também enviei envelopes a Uberlândia e a Santa Maria, encaminhei livros a Brasília; nada foi extraviado.

E, de forma semelhante, adquiri xicacas e utilidades: foram-me trazidas pelos Correios. Um catecismo, um violoncelo, um estilógrafo: tudo isso me veio por intermédio da referida estatal. E cartas escritas à mão.

Para escrever esta crônica, abri minha caixa de recordações. Li alguns trechos de textos que recebi: “No ano passado fiz um trabalho com alunos e enviamos cartas em espanhol para uma colega da turma que havia ido fazer intercâmbio nos Estados Unidos”. Reconheci a caligrafia: letra da Márcia. “Cada estação tem seu tempo” – palavras sábias da Cláudia.

Enxuguei gotas que começavam a rolar em meu rosto. Dei prosseguimento a minha leitura. “Gosto muito de escrever cartas, receber cartões, é muito gratificante” – escreveu-me Míriam, aparentando grande alegria. “Você conseguiu decifrar minha letra?” – sussurrou-me Mônica, em traços não muito constantes.

Após algum tempo, debaixo de várias missivas, achei a primeira carta que recebi pelos Correios em minha vida. “Brasília, 16 de novembro de 2008” – eu tinha apenas cinco anos. “Fiquei feliz ao receber sua carta, foi muito bom mesmo, espero poder continuar correspondendo com você, pois este é um valor que vem se perdendo”. O texto era uma resposta. Lembrei-me de que, antes de eu recebê-la, escrevi. Caligrafia da tia Beth.

Percebi que, assim como minhas crônicas, a grande maioria das cartas de minha caixa de recordações vale-se da metalinguagem; pensei então que a maioria das cartas manuscritas que existem também é metalinguística. E sorri. Cantarolei: “Quando o carteiro chegou e o meu nome gritou com uma carta na mão, ante surpresa tão rude, nem sei como pude chegar ao portão” – composição de Cícero Nunes e Aldo Cabral.

Ora, a surpresa rude de hoje foi a notícia de privatização dos Correios. Bem sei que, mui provavelmente, o filósofo Pondé, o qual foi citado no primeiro parágrafo, posiciona-se a favor da desestatização; e que, além disso, possivelmente usará seu argumento de que a economia é uma ciência triste a seu favor.

Mas não posso ficar quieto. Silêncio pode assumir significado de consentimento. Não quero que os Correios deixem de ser uma empresa lucrativa do Estado brasileiro. Sei que a maioria de minhas linhas foi puramente emocional; afinal, sou apenas um escritor de missivas. Não obstante, defendo que minhas cartas, tão privadas, continuem sendo enviadas de forma pública.

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